quarta-feira, 30 de junho de 2010

Serviços públicos essencias: interrupção ou continuidade?

Serviços públicos essencias: interrupção ou continuidade?
Elaborado em 06.2010.

Rodrigo Emiliano Ferreira

Defensor Público do Estado de São Paulo


1.Introdução

É princípio da Administração Pública a continuidade dos serviços públicos.

A par disso, o Código de Defesa do Consumidor, em dispositivo corajoso, mas que, desgraçadamente, não vem sendo aplicado a contento, consagra a continuidade dos serviços públicos essenciais, aos dispor, em seu artigo 22, que: "Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros, e, quanto aos essenciais, contínuos".

A aplicação do Código de Defesa do Consumidor, porém, encontra obstáculo, declarado pelo Poder Judiciário, na Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.

Diz o caput do artigo 6º da mencionada Lei 8.987/95 que: "Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato".

A definição do que seja serviço adequado vem no parágrafo 1º do mesmo artigo, sendo tido como aquele que: "(...) satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas".

O parágrafo 3º, do mesmo artigo 6º, contudo, abre exceção à continuidade do serviço, ao estabelecer que: "Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: (...) II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade; (...)".

A título meramente ilustrativo, citamos o seguinte julgado, do Superior Tribunal de Justiça, cuja Jurisprudência amplamente dominante é pela possibilidade de suspensão dos serviços essenciais, em caso de inadimplemento do consumidor, dando aplicação ao artigo 6º da Lei 8.987/95, e afastando a incidência do CDC:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ENERGIA ELÉTRICA. CORTE NO FORNECIMENTO. CONSUMIDOR INADIMPLENTE.

POSSIBILIDADE. ESSENCIALIDADE DO SERVIÇO. NÃO-CARACTERIZAÇÃO.

1. A Jurisprudência assente deste Tribunal entende pela possibilidade de corte no fornecimento de energia elétrica desde que, após aviso prévio, o consumidor permaneça em situação de inadimplência com relação ao respectivo débito, nos termos do estatuído no art. 6º, § 3º, da Lei 8.987/95. Precedentes: Recursos especiais n. 363.943/MG e 963.990/SC.

2. In casu, o Tribunal de origem entendeu que a mera inadimplência do consumidor não constituía motivação suficiente a ensejar o corte no fornecimento de energia elétrica por resultar em ofensa ao princípio da continuidade do serviço. Tal posicionamento contraria a jurisprudência do STJ, haja vista que não foi comprovada a essencialidade do serviço prestado, nem tampouco ficou evidenciado tratar-se de débito pretérito, hipóteses essas que impedem a suspensão do serviço.

3. Recurso especial parcialmente conhecido, e, nessa parte, provido.

(REsp 800.586/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2008, DJe 23/10/2008).

Ainda que a Jurisprudência nacional, de forma quase que pacífica, admita a suspensão de serviços públicos essenciais, como o fornecimento de energia elétrica ou abastecimento de água, em caso de inadimplemento do usuário, pessoa física, buscaremos aqui demonstrar que o Poder Judiciário, em especial o Tribunal de Justiça de São Paulo, tem aberto exceções a esta regra, e, em situações excepcionais, dando aplicação a princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana, tem determinando a continuidade da prestação do serviço ao consumidor, ainda que inadimplente.


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2.Definição de Serviços Públicos Essenciais

Inicialmente, cumpre esclarecer que não há, nem na doutrina, nem na Jurisprudência, indicação precisa acerca de quais serviços públicos devem ser considerados essenciais.

Há doutrinadores que afirmam que todos os serviços públicos são essenciais, característica que decorreria de sua própria natureza de publicidade. Mas há outros que tomam como parâmetro para tal definição o rol de serviços indicados nos incisos do artigo 10 da Lei 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências.

Segundo o texto da Lei 7.783/89 são considerados serviços ou atividades essenciais o tratamento e abastecimento de água; a produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; a assistência médica e hospitalar; a distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; os serviços funerários; o serviço de transporte coletivo; a captação e tratamento de esgoto e lixo; o serviço de telecomunicações; a guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; o processamento de dados ligados a serviços essenciais; o controle de tráfego aéreo e a compensação bancária.

Para o presente estudo, que tem por objetivo a análise da possibilidade de suspensão dos serviços públicos essenciais, ganham relevância os serviços de abastecimento de água e coleta de esgoto, fornecimento de energia elétrica e serviço de telecomunicações, eis que estes, via de regra, têm sua exploração concedida a pessoas jurídicas de direito privado, sociedades empresárias, que não titubeiam em proceder sua interrupção em caso de inadimplência.

De início, a vida prática revela que, ainda que em caso de não pagamento, a coleta de esgoto não é interrompida, por impossibilidade técnica, pois não se vislumbra hipótese de que a rede de esgotos do consumidor seja desligada da rede de coleta. Via de regra os serviços de coleta de esgoto e de abastecimento de água são prestados pela mesma empresa, que se limita à interrupção deste último.

De outro lado, o serviço de telecomunicações, cuja suspensão, ao usuário pessoa física, normalmente se manifesta no desligamento da linha telefônica, não tem contornos de essencialidade. Tal se dá pela possibilidade de utilização de telefones públicos, ou mesmo de celulares pré-pagos, amplamente difundidos no país entre os consumidores.

Em se tratando de repartições públicas, pode-se argumentar que o serviço de telefonia, ou mesmo de conexão à internet seja essencial, notadamente em razão do interesse público aí presente, mas isso foge ao objeto desta reflexão.

Em breve comentário, en passant, diga-se que o Superior Tribunal de Justiça tem declarado, de forma recorrente, não ser lícita a suspensão de serviços essenciais a repartições públicas, ainda que em caso de inadimplência, quando tal possa atingir os interesses da coletividade. Vejamos os seguintes julgados:

SUSPENSÃO DE LIMINAR. ILUMINAÇÃO PÚBLICA. CORTE. A iluminação pública é indispensável à segurança dos cidadãos; a inadimplência do Município quanto ao pagamento do respectivo serviço não justifica o corte do fornecimento da energia elétrica necessária para esse efeito. Agravo regimental não provido.

(AgRg na SLS 1.048/CE, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/10/2009, DJe 05/11/2009).

ADMINISTRATIVO – SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA DO MUNICÍPIO – FALTA DE PAGAMENTO.

1. É lícita a interrupção do fornecimento de energia elétrica se, após aviso prévio, o Município não quita sua dívida junto à concessionária de serviço público. Contudo, o corte não pode ocorrer de maneira indiscriminada, de forma a colocar em risco o interesse público.

2. Impossibilidade do corte para a sede da prefeitura, o posto de saúde e o cemitério público do Município.

3. Recurso especial não-provido.

(REsp 734.440/RN, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/08/2008, DJe 22/08/2008).

O mesmo não ocorre, contudo, como já exposto na introdução do presente estudo, quando o consumidor inadimplente é pessoa física, hipótese em que o STJ tem se manifestado pela possibilidade da suspensão do serviço.

Assentadas as duas primeiras premissas, quais sejam, a de que são serviços essenciais, sem prejuízo de que outros também o sejam, o abastecimento de água e o fornecimento de energia elétrica, e a de que a Jurisprudência pátria consolidou-se pela possibilidade de suspensão dos serviços públicos essenciais, em caso de inadimplemento do consumidor, passemos adiante.


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3.Hipóteses Excepcionais de Manutenção do Serviço

Neste ponto há de se ressaltar que as concessionárias, em que pese, via de regra, sejam pessoas jurídicas de direito privado, que exercem sua atividade visando à obtenção de lucro, prestam serviço público, essencial. Verifica-se aí, de plano, um choque de valores. De um lado a busca do lucro pelas concessionárias, e, de outro, a essencialidade e necessidade do serviço, por parte dos consumidores, que, por vezes, não têm como arcar com a contraprestação.

Como dito, os serviços de fornecimento de energia elétrica e de abastecimento de água são essenciais, básicos. Não se pode conceber, atualmente, que imóvel residencial situado em centro urbano seja desprovido de água ou de energia elétrica. A falta de tais bens ofende direitos básicos de todo cidadão, consagrados pela Constituição da República:

"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

(...)".

"Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

(...)

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".

Como ressaltado, o Brasil é Estado Democrático de Direito, e o conceito de democracia, trazido pela Constituição da República, não se limita ao direito de votar e de ser votado, mas sim, e de não menos importância, consiste no direito ao exercício da dignidade de cada cidadão, que se evidencia, aqui, no acesso aos serviços estatais básicos.

Mesmo sendo de profunda importância a discussão, em abstrato, da possibilidade da suspensão de serviços públicos essenciais, é inegável que a Jurisprudência majoritária entende ser lícita a interrupção. Algumas situações, contudo, em respeito à dignidade da pessoa humana, e de outros princípios superiores, consagrados pela Constituição, como o direito à saúde e mesmo à vida, merecem especial consideração.

Como já dito, em havendo concessão da exploração de serviços públicos instaura-se, desde logo, um conflito de interesses. Da concessionária, que busca o lucro com a exploração, e do consumidor desses serviços, de regra, essenciais e monopolizados.

De fato, o Tribunal de Justiça de São Paulo, seguindo a mesma linha do Superior Tribunal de Justiça, vem se manifestado, na maioria dos julgados, pela possibilidade da suspensão do serviço em caso de não pagamento. O Tribunal de Justiça paulista, porém, atenta ao fato de que, em circunstâncias peculiares, o serviço não deve ser suspenso, ainda que disponibilizado ao consumidor inadimplente. Ressalta o Tribunal que, nestes casos, devem prevalecer princípios e valores mais elevados, tais como o interesse coletivo, a dignidade da pessoa humana, e mesmo o direito à vida, todos consagrados constitucionalmente. Vejamos:

Apelação Com Revisão 1046145009

Relator(a): Antonio Benedito Ribeiro Pinto

Comarca: F.D. GUARAREMA/MOGI DAS CRUZES

Órgão julgador: 25ª Câmara de Direito Privado

Data do julgamento: 27/11/2007

Data de registro: 27/12/2007

Ementa: ... terceiro, inciso II, da Lei n° 8.987/95) - O corte do fornecimento de serviços essenciais como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana - A fornecedora tem outros meios jurídicos e legais para efetuar a cobrança do débito - Nego provimento ao recurso. Mantenho a segurança

Ementa: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS (energia elétrica) - MANDADO DE SEGURANÇA - Legitimidade passiva ad causam - ''Tribunal Regional Federal não é competente para julgar recurso de decisão proferida por juiz estadual não investido de jurisdição federal" (Súmula n° 55 do STJ) - A Lei de Concessões estabelece ser possível a descontinuidade do serviço público desde que não esteja presente o interesse da coletividade, como se vê no caso concreto, por se tratar entidade assistencial a idosos (artigo 6o, parágrafo terceiro, inciso II, da Lei n° 8.987/95) – O corte do fornecimento de serviços essenciais como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana - A fornecedora tem outros meios jurídicos e legais para efetuar a cobrança do débito - Nego provimento ao recurso. Mantenho a segurança como concedida. (grifo nosso)

Apelação Com Revisão 1032727007

Relator(a): Lino Machado

Comarca: São Paulo

Órgão julgador: 30ª Câmara de Direito Privado

Data do julgamento: 19/12/2007

Data de registro: 11/03/2008

Ementa: Prestação de serviços de fornecimento de energia elétrica - Inadimplemento - Corte Inexigibilidade. Embora seja exigível a dívida pelo consumo de energia elétrica e, em tese, seja possível a suspensão de seu fornecimento, tal sanção deixa de ser aplicada quando, no caso concreto, se constata a aplicabilidade de princípio mais elevado, como o respeito à dignidade do consumidor e de ...

Ementa: Prestação de serviços de fornecimento de energia elétrica - Inadimplemento - Corte Inexigibilidade. Embora seja exigível a dívida pelo consumo de energia elétrica e, em tese, seja possível a suspensão de seu fornecimento, tal sanção deixa de ser aplicada quando, no caso concreto, se constata a aplicabilidade de princípio mais elevado, como o respeito à dignidade do consumidor e de sua sobrevivência. Apelação provida em parte. (grifo nosso).

Em casos também excepcionais, em que o consumidor inadimplente tem severo abalo em sua saúde, de forma que, para ele, o serviço torna-se ainda mais essencial e mesmo vital, o Tribunal de Justiça paulista, dando efetividade aos princípios constitucionais acima mencionados, já decidiu pela manutenção do serviço. Citamos os seguintes julgados:

Apelação 991070172250 (7137556300)

Relator(a): Richard Paulro Pae Kim

Comarca: Pindamonhangaba

Órgão julgador: 21ª Câmara de Direito Privado D

Data do julgamento: 31/01/2008

Data de registro: 07/02/2008

Ementa: ENERGIA ELÉTRICA - POSSIBILIDADE DE CORTE NO CASO DE INADIMPLEMENTO DO USUÁRIO - Entretanto, na hipótese, o autor é aposentado por invalidez, sendo portador de leucemia meilóide crônica, teve prescrita medicação que exige manutenção em refrigeração, e mais, o estudo social revelou que o autor vive em precárias condições de moradia, possuindo equipamentos domésticos restritos ao mínimo ...

Ementa: ENERGIA ELÉTRICA - POSSIBILIDADE DE CORTE NO CASO DE INADIMPLEMENTO DO USUÁRIO - Entretanto, na hipótese, o autor é aposentado por invalidez, sendo portador de leucemia mielóide crônica, teve prescrita medicação que exige manutenção em refrigeração, e mais, o estudo social revelou que o autor vive em precárias condições de moradia, possuindo equipamentos domésticos restritos ao mínimo indispensável para atender as necessidades básicas do grupo familiar - Direito à vida que deve prevalecer sobre os demais dispositivos infraconstitucionais, na espécie - Nega- se provimento ao recurso. (grifo nosso).

Apelação 991070156906 (7136021100)

Relator(a): Paulo Sérgio Romero Vicente Rodrigues

Comarca: São Paulo

Órgão julgador: 20ª Câmara de Direito Privado D

Data do julgamento: 17/12/2007

Data de registro: 23/01/2008

Ementa: ... consumidor. Depois da passagem da água pelo hidrômetro, a responsabilidade não é mais da concessionária. Suspensão do fornecimento de água para consumidora pobre, deficiente visual, que mora sozinha, para compeli-la ao pagamento de cofitas de água. Impossibilidade. Aplicação do artigo 22 do CDC e dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana. Recursos não ...

Ementa: Vazamento de água no interior do imóvel. Consumo imputável ao consumidor. Depois da passagem da água pelo hidrômetro, a responsabilidade não é mais da concessionária. Suspensão do fornecimento de água para consumidora pobre, deficiente visual, que mora sozinha, para compeli-la aos pagamentos de contas de água. Impossibilidade. Aplicação do artigo 22 do CDC e dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana. Recursos não providos. (grifo nosso).

De todo conveniente, no momento, expor, com mais longevidade, a posição que vem sendo tomada pelo Tribunal de Justiça bandeirante. Citamos, aqui, trecho do voto do Desembargador Relator Richard Paulro Pae Kim, que foi fundamento para decisão da Apelação n° 7.137.556-3, originada da 3ª Vara Cível da Comarca de Pindamonhangaba, em que foi Apelante Bandeirante Energia S/A e Apelado Sebastião de Souza Duarte:

"A parte apelante apenas sustenta que o apelado não efetivou o pagamento das contas, razão pela qual teria o direito de efetuar o corte no fornecimento da energia elétrica. Contudo, olvidou-se de considerar acerca do fato de que, como bem salientou o nobre magistrado, "o autor é aposentado por invalidez (fls. 33), sendo portador de leucemia meilóide crônica (fls. 28), teve prescrita medicação que exige manutenção em refrigeração (fls. 29/32). E mais, o estudo social revelou que o autor vive em precárias condições de moradia, possuindo equipamentos domésticos restritos ao mínimo indispensável para atender as necessidades básicas do grupo familiar (fls. 104/108)" (cf. fls. 126).

Ou seja, o nobre magistrado não poderia do ponto de vista da deontologia jurídica, conferir razão ao apelante. Sem dúvida alguma, desprover a pretensão do apelado, já afirmada liminarmente, seria decretar a possível morte do paciente portador de espécie de câncer.

Revelam-se, portanto, interesses legítimos igualmente tuteláveis pelo ordenamento jurídico. Todavia, o direito à vida e o direito à vida com dignidade deve se sobrepor, pelo menos na presente espécie, ao interesse da concessionária em proceder à suspensão do fornecimento de energia ao domicílio do apelado.

Cuida-se de situação especial onde uma pessoa enferma necessita de aparelho elétrico para manter-se viva, sem depender de terceiros, consoante se vislumbra pelas provas trazidas aos autos.

É certo que não é um bom exemplo permitir a utilização de um serviço sem a devida contraprestação, todavia, no caso acima apresentado, está em jogo a vida humana, que se sobrepõe às demais situações, por se tratar de um direito fundamental. Portanto, seria inconcebível que uma vida fosse colocada em perigo, com o desligamento da força, pelo fato de não ter havido o pagamento das taxas de energia elétrica". (grifo nosso).
Outrossim, de teor bastante similar e seguindo o mesmo raciocínio, voto do Desembargador Relator Paulo Sérgio Romero Vicente Rodrigues, na Apelação n° 7.136.021-1, originária da Comarca de São Paulo, em que foi apelante a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - SABESP e apelada e apelante adesiva Patrocínia dos Santos:

"O recurso da requerida também não comporta provimento, como já antecipado. A situação não é comum, mas diferenciada, devendo ser analisada à luz dos princípios do Estado de Direito e da Justiça. Há no feito duas teses: a da autora que quer pagar dentro de suas possibilidades, e a da requerida que quer cortar o fornecimento para compelir a autora a pagar.

Acatada a tese da requerida, como a dívida é alta e a autora pobre, a mesma não vai pagar de uma só vez. Vai ficar sem tomar banho, sem cozinhar, sem dar descarga no banheiro, enfim, corre o risco de morrer doente e sem higiene.

Isto ofende todos os princípios constitucionais, da vida, da dignidade, da saúde, etc. Há conflito entre dois valores, e o patrimonial da ré não pode prevalecer, porque a vida com dignidade está acima dele. Assim, na interpretação das leis transcritas pela requerida e do CDC, aplica-se a tese mais benéfica à consumidora, para proibir-se o corte, devendo a ré cobrar pelas vias judiciais". (grifo nosso).

Vê-se, portanto, que em hipóteses singulares a Jurisprudência, notadamente a do Tribunal de Justiça de São Paulo, caminha no sentido da prevalência dos direitos fundamentais do usuário, ainda que inadimplente, sobre o direito de propriedade das concessionárias de serviço públicos essenciais, vedando a interrupção destes.


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4.Conclusão

Ante as peculiaridades de casos concretos, portanto, ainda que seja entendimento amplamente majoritário da Jurisprudência nacional ser possível a suspensão do fornecimento de serviços essenciais, tais como o fornecimento de energia elétrica e o abastecimento de água, em razão do não pagamento das faturas de consumo, haja vista a necessidade da salvaguarda de valores supremos como a dignidade da pessoa humana, a saúde e mesmo a vida, hão de ser abertas exceções ao entendimento dominante, garantindo-se que o consumidor inadimplente não tenha suspensos serviços públicos essenciais.

Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
FERREIRA, Rodrigo Emiliano. Serviços públicos essencias: interrupção ou continuidade? . Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2555, 30 jun. 2010. Disponível em: . Acesso em: 30 jun. 2010.
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terça-feira, 29 de junho de 2010

Índios Botocudos


Os índios Botocudos dominavam a extensa área de floresta do Rio Doce até São Mateus, no Norte do Estado, além de uma parte de Minas Gerais. Viviam em guerra com todos os seus vizinhos, inclusive com os da região de São Mateus, os Malalis, Cumanachos, Maconis, Machacalis, Panhames, Capuchos e Pataxós. Após três séculos da primeira entrada no rio Doce, ocorrida por volta de 1572, sob a chefia de Sebastião Fernandes Tourinho, rumo a Minas Gerais, ainda os Botocudos dominavam a região.


Botocudos 1909 - fotos de Walter Garbe

A denominação Botocudos foi dada aos Crenaques, Nac-nuc, Minia-jirunas, Gutcraques, Nac-requés, Pancas, Manhangiréns, Incutcrás, entre outros, pelos brancos, que observaram neles o uso característico do batoque ou botoque no lábio inferior ou nos lóbulos das orelhas. O batoque era uma rodela de madeira branca, geralmente de paineira ou barriguda, medindo até 12 centímetros de diâmetro, que depois de seca ao fogo, era introduzida por uma espécie de botão no lábio inferior e nos lóbulos das orelhas. Já por volta de sete a oito anos de idade, o pequeno índio começa a usar o batoque, que ia sendo trocado conforme o indiozinho ia crescendo.

Eles começaram a desaparecer a partir de 1921, com o rápido desenvolvimento de Colatina e a sua emancipação política do município de Linhares, ao qual pertencia, e a onda de povoamento da Região Norte, a partir da construção da Ponte Florentino Avidos, em 1928.


Quando ele chegou no rio Doce, por volta de 1808, já ia longe o massacre dos índios botocudos. A região era um verdadeiro palco de guerra onde militares e sanguinários caçadores de negros se esmeravam para dar fim a uma das mais importantes nações indígenas da época.

A extinção dos botocudos fazia, inclusive, parte dos planos do Império, a ponto de ser editado um decreto pelo conde Linhares (dom Rodrigo Coutinho), seu ministro da Agricultura, oficializando o massacre. O decreto premiava todos aqueles que capturassem ou matassem um botocudo. O terror se convertia em lei. Foi o jeito encontrado pela Coroa para abrir o caminho às minas de ouro de Minas Gerais e, conseqüentemente, ao povoamento da região do rio Doce.

Todavia, importantes viajantes europeus, que vieram ao Brasil para desvendar os trópicos, presentes a este cenário de guerra, relataram e escreveram o que viram, gerando reações de indignação e solidariedade aos botocudos na Europa, pois não viam motivos plausíveis para privá-los de sua liberdade. Resultou na vinda de humanistas ao Brasil, trazendo no meio deles um experiente combatente do Exército francês, o capitão Guido Thomaz Marlière.

Em vez de retornar ao seu país de origem, como fizeram os demais observadores europeus, ele radicou-se na região do rio Doce, tomando para si a luta dos índios. Ele entrou em conflito com a Coroa, a ponto de haver sido preso sob suspeita de se encontrar no país a serviço de Bonaparte.

Posteriormente a esse episódio arbitrário, beneficiado pelo clamor europeu em favor dos botocudos, que se acentuou mais ainda com as informações levadas pelos observadores e principalmente pelos seus viajantes, com destaque para Saint-Hilarie, o governo recuou no propósito de eliminar os botocudos pela via das armas.

Botocudos
Quanto à capacidade de resistência dos botocudos, é necessário dizer que eles não eram uma presa comum como os demais índios, mas destemidos e indomados índios. Os registros de suas lutas os elevam ao grau do selvagem mais bravo de todos os que existiram em território brasileiro, a ponto de a história registrar que nunca foram derrotados, mas chacinados. Sustentaram quatro séculos de luta.

Neste período da chegada de Marlière, a Coroa Real já havia abandonado a idéia de usar a região como acesso às minas de ouro de Minas Gerais. Havia optado por colonizá-la através de núcleos. Para tanto, importou imigrantes estrangeiros. Trouxe principalmente italianos e espanhóis, esses últimos originários da ilha de Lançarote. Até norte-americanos vieram e foram localizados numa colônia especial, que recebeu o nome de Fransilvânia. Mas nenhum desses núcleos, especialmente os que foram localizados em território capixaba, resistiram aos botocudos. Tratados como invasores, foram também expulsos por eles da região.

A Coroa reagiu à expulsão dos colonos europeus e tornou a enviar contingentes militares, dessa vez organizados em divisões militares, para garantir o assentamento de colonos, principalmente de italianos, novamente redistribuídos mas de forma individualizada pelo território dos botocudos. Neste período, Marlière teve as maiores dificuldades para conter as investidas militares em cima dos botocudos, sob alegação de que "os botocudos, como os seus conterrâneos franceses, só gostavam de guerra".

Nenhuma necessidade militar, entretanto, impunha o recurso da carnificina. Havia um ódio, uma sede de sangue na ação deles. Mas mesmo nesta atmosfera impregnada de ferocidade, os guerreiros botocudos resistiram às divisões militares, equilibrando no número de batalhas vencidas. A essa altura dos conflitos, a Coroa recuou e resolveu criar um cargo para ser ocupado por Marlière, com o objetivo de ele próprio pacificar os botocudos e outras tribos indígenas. O capitão do Exército francês tornou-se Diretor Geral dos Índios. Isto por volta de 1819, pois entre 1808 e 1819 ele havia convivido somente com os botocudos, ganhando total confiança deles.

Não resistindo às saudades da selva e dos amigos botocudos, ele não ficou sequer três meses no cargo. Mas a Coroa negociou com ele outra função. Com o objetivo de conter os botocudos, criou para ele o cargo de comandante das Divisões do Rio Doce. Marlière respondeu ao convite dizendo que "quem quer bem aos índios vive com eles". Aceitou.

Marlière era um experiente militar. Serviu nos exércitos imperiais de Luiz XVI, da revolução francesa e, por fim, nas tropas de Napoleão Bonaparte, quando pertenceu ao Regimento Condé. Aqui no Brasil ele foi promovido ao posto de major, isto em 1821, para chegar, no ano de 1827, ao de coronel de Cavalaria e adido do Estado- Maior do Exército.

Marlière iniciou a sua tarefa de pacificar os botocudos pela criação de quartéis, em regiões estratégicas, ao longo das margens do rio Doce, em territórios capixaba e mineiro. Tomou para si a missão de integrá-los à civilização (visto, por essa época, como a política mais adequada à salvação dos indígenas brasileiros).

Em seguida à instalação dos quartéis, ele viria a promover o aldeamento dos botocudos. Mas nem todos os comandantes de quartéis tinham suficiente preparo para lidar com os índios. Alguns os maltratavam e exploravam, outros foram negligentes, e havia, já naquele tempo, os que discordavam da política de aldeamento, como foi o caso de Norberto Rodrigues de Medeiros, auxiliar de campo de Marlière.

Norberto, que dominava perfeitamente a língua dos botocudos, costumava aconselhá-los a não se aldearem, voltando para as matas. E se aproveitava sempre dos maus tratos dos comandantes dos quartéis para levar os índios de volta ao seu habitat natural. Mas, com o tempo, a situação dele ficou insustentável perante o comandante Marlière: desertou levando junto 40 botocudos. Foram viver juntos numa mata e ele nunca mais foi visto.

Infidelidades e deserções de lado, Marlière, a despeito de situações embaraçosas como a de que foram criadas por Norberto Rodrigues de Medeiros, encontrou sempre nos botocudos lealdade e companherismo, pois um dos seus melhores auxiliares era um botocudo: Pocrane. Afeiçoou-se a ele de tal forma que cedeu o Guido do seu nome para ser incorporado ao Pocrane. Passou a chamar-se Guido Pocrane.

Eles se conheceram em 1819, quando, em companhia de outros botocudos, foi atéo quartel onde se encontrava Marlière. Pocrane converteu-se ao catolicismo; o comandante foi o seu padrinho. Dos hábitos da selva, ele manteve apenas dois: a poligamia (vivia com quatro mulheres) e a vingança sobre os índios puris, temidos pelo botocudos por serem grandes feiticeiros.

Pocrane foi o melhor auxiliar de Marlière e sofreu intensamente quando o seu benfeitor se aposentou. Faleceu aos 40 anos de idade, mas se destacou tanto no trabalho junto aos índios que uma das vilas fundadas por ele leva o seu nome: Pocrane, em Minas Gerais.

Embora a missão de que se incumbiu Marlière fosse árdua, ele não se descuidou da sua relação com os movimentos humanistas da Europa, mantendo-os atualizados sobre o andamento da situação dos botocudos. Para alimentar o movimento, que costumava provocar medidas favoráveis aos botocudos junto ao Império, alguns botocudos foram levados à Europa para que lá pudessem aquilatar o valor de uma política de preservação do indígena no Brasil.

Viajantes, do relevo de um Saint-Hilarie e da importância do príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied, levaram os seus botocudos. O que foi com Saint-Hilarie chamava-se Prejent, enquanto Maximiliano levou Quêck. Faz-se mister dizer que nenhum dos dois foi feliz na Europa. Só serviram realmente para reforçar o movimento em favor dos botocudos.

Hóspede do castelo dos príncipes de Wied, o botocudo Quêck não tardou em perder certos hábitos. Só atirava nas caçadas de arco e flecha e cantava melodias de sua tribo longínqua mediante dinheiro. Vivia constantemente alcolizado, mas se destacava nas caçadas com o seu arco e sua flecha. O príncipe Max fizera pintar um retrato dele, existente no palácio de Neuwied, e seu crânio se encontra em exposição no Museu de Anatomia, de Bonn, na Alemanha.

Há um momento em que o comandante Marlière temeu pelo movimento europeu em favor dos botocudos. Quando soube que Saint Hilarie estava muito doente, endereçou-lhe uma comovente carta:

"Eu me aflijo pela vossa má saúde, como si vós fosseis um irmão; vós não sereis chorado apenas pelos que se dedicam à ciência; o sereis também pelos meus pobres índios; eles aprenderam que, noutro hemisfério, têm um amigo que pleiteia sua causa no tribunal da humanidade".

Nesta luta em favor dos botocudos, o comandante Marlière ficou até o ano de 1829, quando um ato imperial o reformou no posto de coronel e o destituiu do cargo de comandante da Divisão dos Índios do Rio Doce. Para afastá-lo do cargo, o Conselho da Província alegou sua idade avançada e doença grave.

A decisão imperial foi recebida com júbilo nas regiões de Minas Gerais e Espírito Santo, principalmente nas cidades em torno do rio Doce, onde centenas de pretendentes às terras indígenas se acumulavam esperando o momento oportuno para invadi-las. O sistema de proteção aos índios já havia se corrompido o suficiente, com diretores de quartéis e aldeamentos maltratando os índios e permitindo acessos parciais às suas terras.

Uma das razões da queda de Marlière do cargo foi o processo de substituição que começou a fazer nas chefias e diretorias dos aldeamentos e quartéis. Era a sua última linha de defesa. Em outra correspondência endereçada ao cientista Saint-Hilare, ele diria dos maus tratos dos índios pelos diretores e chefes de quartéis e aldeamento.

Mas nessa correspondência ele haveria ainda de dizer que estava se preparando para morrer entre os índios, convencido de ter-lhes proporcionado alguns anos de paz. Mas também se julgava cúmplice da tragédia deles, ao suspeitar que a política de aldeamento acelerou a destruição dos botocudos. Melhor teria sido tê-los preservado longe dos brancos - disse nessa sua carta. Mesmo assim partia convencido de que o velho chefe Nherame (como era tratado pelos botocudos) ainda era digno do amor deles.

A contenda seguia seu curso implacável: a retirada de Marlière da atividade indigenista escancarou o território dos botocudos: houve uma invasão sem precedente, marcada também pela destruição do sistema de proteção.

Três anos depois da saída de Marlière, não havia mais um aldeamento sequer, que dirá um quartel. A região estava livre para ao assalto às terras indígenas, como de fato ocorreu.

Neste período, o comandante Marlière havia se recolhido à sua fazenda, na Serra da Onça, em Minas Gerais, numa localidade conhecida por Guidowald, na companhia de sua esposa, d. Maria Victória, dama da corte de D.João. Na sua companhia vivia também um filho, de nome Leopoldo Guido Maliere, nascido, porém, de uma relação extraconjugal com Ana Cândida da Fonseca. Ele morreu em 1836, aos 67 anos de idade.

Foi enterrado na sua propriedade e sobre a sua sepultura plantaram uma figueira, como símbolo do bem. Mas além de familiares apenas dois botocudos assistiram às suas exéquias, sem condição alguma de presenteá-lo com o réquiem de seu povo. Seus familiares disseram, por essa ocasião, que ele se deixou morrer em paz, certo de que sua estada na terra foi entre amigos. E, pela vida que levou com os índios, tinha convicção de que a morte lhe seria bela.

FONTE DO TEXTO: Rogério Medeiros SECULODIÁRIO.COM

A população brasileira desconhece os projetos que têm tramitado na Câmara sem qualquer debate público.

A população brasileira desconhece os projetos que têm tramitado na Câmara sem qualquer debate público.


O Ministério Público Federal lamenta a aprovação, pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, dos Projetos de Lei 1.448 e 1.517/2007, que objetivam alterar os limites do Parque Nacional da Serra da Canastra e criar Áreas de Proteção Ambiental.

Os projetos são de autoria dos deputados federais Carlos Melles, Odair Cunha, Maria do Carmo Lara, Geraldo Thadeu e Rafael Guerra. O relator dos projetos é o deputado federal João Magalhães.

O MPF chama a atenção para a forma com que os projetos têm tramitado nas comissões da Câmara, sem qualquer debate público a respeito, o que resulta no completo desconhecimento da população acerca de suas consequências. O silêncio a respeito é tamanho que causa perplexidade a aprovação do projeto por congressistas ditos “ambientalistas”, como o deputado federal Fernando Gabeira.


Mas a verdade é que o PL 1.448, se aprovado, vai ferir gravemente um dos mais importantes parques nacionais do Brasil, importante unidade de conservação que protege todas as fitofisionomias do cerrado. Os PLs propõem-se a alterar os limites do Parque Nacional da Serra da Canastra, berço do Rio São Franciso, sob a justificativa de criar um mosaico de unidades de conservação. Esse mosaico seria composto pelo próprio parque com área recortada, por áreas de preservação permanente (APAs) e por um Monumento natural da Bacia do Rio Samburá, que seria objeto de um terceiro projeto de lei.


Somente os dois primeiros projetos foram apresentados. O terceiro inexiste até o momento, o que fragiliza e prejudica a proposta de redução de área do PNSC, tendo em vista a clara e necessária vinculação entre os três projetos, como indica a própria justificativa dos projetos.

Ademais, a diminuição da área do Parque, com a criação de Áreas de Proteção Ambiental, diminui a proteção dos recursos ambientais, porque a área deixa de ser considerada de proteção integral para tornar-se de uso sustentável, permitindo o desenvolvimento de atividades econômicas em detrimento da proteção ambiental. Por se tratar de um divisor de águas de duas das mais importantes bacias hidrográficas do país – a do São Francisco e a do Paraná – toda a disponibilidade hídrica desses rios poderá ficar seriamente afetada, influindo em pouco tempo no abastecimento dos estados de Minas Gerais e São Paulo.

Para o MPF, os projetos, na verdade, visam atender interesses econômicos, inclusive de mineradoras e grupos estrangeiros que estão se estabelecendo no local e que detêm hoje os direitos de mineração mais expressivos na região. Tradicionalmente, o parque já sofre significativa degradação resultante da mineração de quartzito, conforme matéria feita pela Rede Globo de Televisão. Aliada às atividades agropecuárias desenvolvidas na região e à possibilidade de exploração de diamantes, os PLS propõem que tais interesses econômicos privados sejam garantidos em detrimento da proteção ambiental do Parque Nacional da Serra da Canastra.


Segundo o próprio ICMBio, o quartzito para revestimento é material abundante na região do parque e fora dele. Também para as atividades agropecuárias há alternativa locacional, inexistindo, assim, justificativa para alterar os limites de um parque nacional, com importância ecológica extrema.


O MPF lembra que, em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça afirmou que o interesse econômico não deve prevalecer sobre o meio ambiente. A segunda turma do STJ decidiu que os interesses difusos e coletivos referentes ao equilíbrio ecológico devem ter prioridade em relação a interesses individuais que poderiam se beneficiar do aproveitamento dos recursos naturais.

Ou seja, os tribunais brasileiros começam a refletir a tendência mundial de admitir a proteção da natureza pelos valores que representa em si mesma, e não apenas pela utilidade que tenha para o ser humano.


O Ibama, inclusive, juntamente com o ICMBio, preparou proposta de alteração dos limites do parque que possibilitariam a exploração de minério, sem causar os danos que os PLs 1.448 e 1.517/2007, se aprovados, irão causar.


O MPF aponta que os projetos de lei são falhos e incongruentes, pois não foram precedidos de estudos técnicos e não contaram com a participação dos órgãos ambientais. Os polígonos propostos possuem traços grosseiros, imprecisos, aparentemente não baseados em critérios ambientais. Sequer foram apresentados estudos técnicos que sustentem a proposta de alteração do parque e o traçado apresentado está em desacordo com os preceitos estabelecidos nas justificativas dos PLs, ou seja, a proposta não tem correspondência com os fundamentos pelos quais foi feita. Também não há compensação ambiental para as supressões propostas.

Na verdade, os estudos apresentados pelos autores dos projetos resumem-se a coordenadas de GPS. Os polígonos foram traçados pela Emater-MG que afirmou ao MPF que os pontos excluídos do parque foram apontados por políticos e fazendeiros locais, não tendo sido realizada absolutamente nenhuma avaliação ambiental. Os polígonos foram formados por meio de georreferenciamento, excluindo-se do parque o que era apontado por esses interessados. O resultado disso foram traços grosseiros e imprecisos, traços em linhas retas, que chegam ao cúmulo de dividir rios ao meio.


O parque não se sustentará com os recortes que os projetos intentam fazer. A função biológica ficará comprometida em seu todo. “A ausência de regularização fundiária e a presença de minerais e fazendas no interior do parque não justificam sua supressão, pois, se assim fosse, iríamos acabar com quase todas as unidades de conservação de proteção integral existentes no Brasil”, lembra o MPF. “A transformação de parte do Parque em APA significa, na prática, manter e até aumentar a atividade exploratória, em detrimento de um ecossistema que necessita de urgente atenção diante dos atuais níveis de espécies em extinção.”

Por tudo isso, o Ministério Público Federal espera que a Câmara dos Deputados manifeste-se contrariamente aos projetos, em cumprimento aos comandos constitucionais e pela preservação de tão relevante patrimônio ambiental brasileiro.



4ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF
Contato: Secretaria de Comunicação da PGR
(61) 3105.6408

Procuradoria da República em Passos/MG
Contato: Assessoria de Comunicação Social
(31) 2123.9008

-- Fátima Massimo
Engenheira Agrônoma/Gestora Ambiental
Departamento de Coordenação do SISNAMA - DSIS
Secretaria de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental-SAIC
Ministério do Meio Ambiente - Brasília/DF
Tel 61-3317.1152
Fax 61-3317.1526

-- EQUIPE PGANM/FUNDASA
email oficial: pganm@hotmail.com
Contato: 38 9917-4676 (Leonardo)

NIEA-NM - Núcleo Interinstitucional de Estudos e Ações Ambientais do Norte de Minas
(Ministério Público - Fundação Santo Agostinho - UFMG - Unimontes)

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Matadouro Público dentro de lixão

Matadouro Público dentro de lixão

Prefeitura Muncipal de Poço Branco/RN mantém em funcionamento o matadouro público dentro do lixão ! Ambos ficam a 800 metros da Comunidade Quilombola de Acauã. A Associação dos Moradores do Quilombo de Acauã denunciaram o vídeo ao representante do Ministério Público em Poço Branco.
Vídeo-denúncia realizado e enviado por Luciano Falcão:

“A Prefeitura Municipal de Poço Branco, Rio Grande do Norte, mantém em funcionamento o matadouro público dentro de um lixão! Ambos ficam a 800 metros da Comunidade Quilombola de Acauã. A Associação dos Moradores do Quilombo de Acauã denunciou o fato ao representante do Ministério Público em Poço Branco, inclusive utilizando para isso o vídeo abaixo”.

http://www.youtube.com/watch?v=Evck8LyOKZ4


Enviado por Dr. Luciano Falcão
Social Advocacia Popular
falconluciano@hotmail.com

Fonte: http://racismoambiental.net.br/2010/06/racismo-ambiental-no-quilombo-de-acaua-rio-grande-do-norte/

O que é alma


O que é alma

Glossário:
Torá: Bíblia;
Mitsvot: Mandamentos;
Rabino: Mestre


Se você se beliscar poderá sentir que está vivo. Se alguém lhe chamar aos gritos, você certamente irá atender ao chamado. Seus sentidos lhe orientam como reagir a cada ato que ocorre em sua vida. Mas quando alguém a quem você ama muito lhe magoa ou lhe ofende, que sentido você usa para expressar o que sente, além das lágrimas que escorrem em sua face?

Sua alma!

Uma alma é Energia Divina; é existência além da matéria. É a parte de você que existe além da matéria, além de seu corpo e de seus cinco sentidos. Não pode ser vista. A alma é para o corpo aquilo que o astronauta é para a roupa espacial; funciona como uma bateria, dando vida e animação. Tire o astronauta da roupa, e esta será basicamente inútil. Tire a alma do corpo, e o corpo basicamente desmorona. (Isso é a morte - a separação entre corpo e alma).

É impossível dar uma definição concreta da alma, pois a alma não é uma entidade concreta mas abstrata. Não é matéria - é energia - mas também não é energia física. É energia Divina, um pedacinho de D'us dentro de você.

A pessoa teria de na verdade fazer calar os sentidos para sentir a alma. Se você fosse cego, surdo, mudo, sem nariz e com o tato insensível, ainda estaria vivo dentro de si mesmo. Mas que parte de você ainda está viva? Eis o que é a alma.


Você tem um corpo? Se respondeu "sim", quem é este "eu" que tem um corpo? Não poderia ser o corpo - não se pode dizer que o corpo tem um corpo. Então, isso é o que chamamos de alma



Mas como sabemos que temos uma alma? Basta me acompanhar no simples raciocínio: Você tem um corpo? Se respondeu "sim", diga-me: Quem é este "eu" que tem um corpo? Não poderia ser o corpo - não se pode dizer que o corpo tem um corpo. Então, isso é o que chamamos de alma. De forma mais abrangente, somos um composto de alma e corpo. Isso explica porque somos tão confusos, certo?

Mas como devemos expressar nossa alma? É fácil, basta seguir algumas instruções:

1. Torne-se espiritual

A espiritualidade é para sua alma aquilo que o alimento é para o corpo. Antes que você possa expressar sua alma, deve nutri-la. Um homem faminto não pode ganhar uma corrida, e uma alma faminta não pode expressar-se. Para alimentar sua alma, dê-lhe espiritualidade. Faça atividades espirituais.

2. Estude Torá

Nada é mais poderoso e nutritivo para a alma que o estudo de Torá. Quando você estuda Torá, está lendo a mente de D'us. Sua alma eleva-se, fortalecendo-se com grandes pedaços de energia espiritual, que pode usar para realizar outras coisas espirituais.

3. O que são "coisas espirituais?"

São outras coisas boas e positivas que não têm resultado físico e tangível - são espirituais, portanto você não pode ver com seus olhos físicos. Por exemplo, imergir na prece ou cumprir qualquer mitsvá (preceito da Torá) é uma coisa espiritual. E atos de amor e bondade, embora sejam coisas espirituais, têm ainda o benefício de um resultado tangível, físico - um relacionamento aperfeiçoado ou uma pessoa grata por receber sua ajuda.

Rabino Simon Jacobson explica a alma desta forma:

"Uma alma é nossa identidade interior, nossa razão de ser. A alma da música é a visão do compositor que energisa e dá vida às notas tocadas em uma composição musical.

"Cada Alma é a expressão da intenção e visão de D'us ao criar aquele ser em especial. Cada um de nós é uma nota musical única, numa grande composição cósmica. É nossa obrigação descobrir nossa alma e tocar sua música singular."

Então, o que está esperando? Entre já em sintonia. Afine-se... refinando sua alma a cada dia!

06:44 28/06/2010

Mudanças no mandado de segurança. Análise da nova lei, artigo por artigo, com base na doutrina e na jurisprudência

Mudanças no mandado de segurança.
Análise da nova lei, artigo por artigo, com base na doutrina e na jurisprudência


Elaborado em 06.2010.

Lorena Neves de Macedo

Bacharelanda do curso de Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Fernando Lucena Pereira dos Santos

Bacharelando do curso de Direito pela Universidade Federal do Rio grande do Norte



1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009, mais conhecida como "nova lei do mandado de segurança", trouxe disposições antes inexistentes no ordenamento jurídico brasileiro, as quais, notoriamente, resultam de reflexos das discussões jurisprudenciais e doutrinárias desenvolvidas sobre o instituto, bem assim de disciplinamento necessário diante da nova ordem constitucional, referindo-nos muito especialmente à disciplina do mandado de segurança coletivo.

É importante registrar, de pronto, que a norma em questão foi responsável pela revogação na íntegra das principais normas que disciplinavam o mandado de segurança, as quais o faziam em sede de legislação esparsa, a saber: Leis nº
1.533, de 31 de dezembro de 1951; 4.166, de 4 de dezembro de 1962; 4.348, de 26 de junho de 1964; 5.021, de 9 de junho de 1966. Isso como resultado de disposição expressa ubicada em seu último artigo (art. 29) [01].

Diante disso, pode-se inferir, logo de início, que os dispositivos das leis anteriores que tratavam sobre assuntos não contemplados pela Lei nº 12.016/2009 não mais podem ser trazidos à tona como regramento subsidiário.

Observe-se, ainda, que a nova lei não trouxe, ao contrário da outra, nenhum dispositivo – tal como era o antigo artigo 20, da Lei nº 1.533/51 – prevendo a não incidência dos artigos do Código de Processo Civil vigente, porquanto se compreende que as normas deste diploma normativo se aplicam subsidiariamente à disciplina do mecanismo constitucional-processual em tela. Como bem ensina Talamini (2009, p. 50), "bem ao contrário, são reiteradas as remissões ao Código (v.g., Lei 12.016/2009, art. 6º, parágrafo 5º, art. 7º, parágrafos 1º e 5º, art. 24...)".

O presente trabalho objetiva discorrer, de maneira sintética, contudo crítica, acerca do regramento promulgado recentemente para o mandado de segurança, a garantia constitucional-processual peculiar ao ordenamento jurídico brasileiro, pela sua nova lei, analisando-se sistematicamente os seus dispositivos e considerando, frente a cada um, quais inovaram e quais não encerraram mudanças, levando-se em conta se incorreram em uma inovação ou repetição benéfica ou prejudicial ao sistema.

2 AS ALTERAÇÕES POR ARTIGO

Consoante proposto no início, a seguir se destacam, relativamente a cada artigo da Lei nº 12.016/2009 em ordem crescente de numeração, as considerações válidas.

No art. 1°, foi somado ao habeas corpus o habeas data, conforme já dispunha o art 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal, além de dirimir possíveis dúvidas quanto a legitimidade da pessoa jurídica para impetrar a ação, prevendo isto expressamente em seu texto.

No parágrafo primeiro, foi clareado sobre o possível sujeito passivo para o Mandado de Segurança, consolidando entendimento trazido pelo STF, na súmula 510:

Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial.

O §2° não encontra correspondente no antigo diploma, e traz delimitação quanto aos atos praticados pela Administração Indireta passíveis de ataque pelo instituto em tela. Quais sejam: somente atos administrativos de caráter público. [02]

Em relação a este dispositivo, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB - veio a contestá-lo por ADIn (4.296/DF, rel. Min. Marco Aurélio), alegando que vem a cercear a possibilidade de apreciação pelo Poder Judiciário dos atos de gestão comercial, tendo a lei interferido diretamente na harmonia e independência entre os Poderes.

O §3º do artigo em tela prevê, em reprodução de texto já existente, que "Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança", em consagração à regra que afasta o litisconsórcio ativo necessário em prol do acesso à justiça, como ponto benéfico da lei.

O Art. 2° amplia de autarquias federais para quaisquer entidades controladas pela União como sujeito passivo do mandamus.

O art. 3° trouxe objetividade à antiga previsão quando estipulou prazo de 30 dias (e não apenas "razoável", como critério definidor de antes) após a notificação de terceiro, para que tome a iniciativa quando não o houver feito o titular. Deve ser, para tanto, observado o prazo decadencial de 120 dias previsto no Art. 23° – parágrafo único – sem correspondente.

Esse mesmo dispositivo continuou a consagrar a substituição processual por terceiro titular de "direito decorrente".

O artigo 4° e parágrafos (dois novos) também receberam alterações pelo legislador. Primeiro pela ampliação dos requisitos, para impetração, para além do corpo de sua lei regulamentadora; segundo por acrescentar mais meios de comunicação para com a autoridade, como nos casos de urgência (§1°), por quaisquer meios desde que garantida a devida autenticidade. Após o envio, o texto original da petição deverá ser apresentado nos 5 dias úteis seguintes (§2°); e terceiro e último, ao aplicar a Lei Federal 11.419/2006, sobre os documentos eletrônicos.

O art. 5° foi acrescido e suprimido de incisos, conforme se verá.

O inciso primeiro seguiu sem alteração; quanto ao segundo, foi acrescido do entendimento sumulado do STF:

Súmula n° 267. Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição

O segundo, a contrario sensu da súmula 429 do Supremo Tribunal Federal:

a existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o uso do mandado de segurança contra omissão da autoridade.

veio a exigir o exaurimento das vias administrativas para se impetrar o mandado. Numa iniciativa notavelmente inconstitucional, pecou o legislador com tal novidade, que é objeto, vale salientar, da Adin proposta pela OAB alhures mencionada.

O terceiro inciso foi suprimido e criado um novo, dessa vez amparado por súmula do Supremo Tribunal Federal:

Súmula n° 268. Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado.

Houve, na aprovação deste diploma, veto ao seu parágrafo único, que disporia da seguinte redação: "Parágrafo único. O mandado de segurança poderá ser impetrado, independentemente de recurso hierárquico, contra omissões da autoridade, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, após sua notificação judicial ou extrajudicial." Como razão do veto, tem-se: "A exigência de notificação prévia como condição para a propositura do Mandado de Segurança pode gerar questionamentos quanto ao início da contagem do prazo de 120 dias em vista da ausência de período razoável para a prática do ato pela autoridade e, em especial, pela possibilidade da autoridade notificada não ser competente para suprir a omissão."

Ora, se a cabeça do parágrafo não trazia qualquer motivo para ser vetada, deveria, portanto, ser mantida, a primeiro, porque benéfica ao cidadão, a segundo porque expurgaria qualquer dúvida sobre o cabimento do mandamus nessa situação, e a terceiro, porque amenizaria os efeitos do inciso segundo deste mesmo artigo.

O art. 6° foi sobremaneira alterado. Seu parágrafo único foi convertido em mais cinco parágrafos (o quarto destes foi vetado). No caput, foi acrescida expressão integrativa à sistemática processual, exigindo a observância de todos os requisitos legais para a petição inicial do Mandado, ao invés de somente os artigos 158 e 159 do CPC. [03]

Ademais, exigiu-se acrescer à peça inaugural a determinação da pessoa jurídica integrada, vinculada ou da qual exerce atribuições, pela autoridade coatora. Além de tal mudança, foi admitida ainda a exibição de documento necessário à prova do alegado que esteja em posse de terceiro.

No novo parágrafo (terceiro), conceitua-se autoridade coatora como a que praticou o ato ou aquela de quem emanou a ordem, merecendo – no primeiro ponto – rápida crítica, haja vista que, se embora praticando o Ato, não seja a autoridade capaz de desfazê-lo, jaez de incompetente no pólo passivo do mandado, esmaecendo a definição trazida.

Já no quinto parágrafo, determina-se a possibilidade de denegação de segurança também nos casos de extinção do processo sem análise do mérito (art. 267 do CPC). Parágrafo sexto: denegado o mandado de segurança sem resolução de mérito, sua renovação poderá ocorrer, apenas, dentro do prazo decadencial de 120 dias.

No art. 7°, foi reduzido o prazo de 15 para 10 dias (em consonância com a lei 4.348) para que a autoridade coatora preste as informações que achar necessárias, em benefício da celeridade; o novo inciso segundo dispõe que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada para que, querendo, ingresse no feito – não havia correspondente nesse sentido. Tal dispositivo corrobora a tese há tempos construída pela doutrina e jurisprudência de que a parte ré não é a autoridade coatora, mas sim o ente público a quem o coator se vincula (e.g., REsp 846581 / RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, j. 19/08/2008, p. 11/09/2008).

O antigo inciso segundo teve alterações e agora passou a ser o terceiro, com conteúdo restritivo à concessão de liminar, já que a nova lei prevê a possibilidade de o juiz determinar que seja prestada caução, fiança ou depósito, destinado a assegurar eventual ressarcimento à pessoa jurídica.

Contra essa possibilidade, destaca Wladeck (2009, p. 53) a existência de doutrina e jurisprudência expressiva que defendia a impossibilidade dessa medida, "por seu o mandado de segurança garantia individual fundamental – art. 5º, inciso LXIX, da Constituição – preordenada a assegurar, aos que demonstram deter direito líquido e certo, o pronto, amplo e certo acesso à ordem jurídica justa". Nesse sentido: REsp 249647/SP, 2ª Turma, rel. Min. Eliana Calmon, p. 18.02.2002; REsp 90225/DF, 1ª Turma, rel. Min. José Delgado, p. 14.10.1996.

A Associação dos Advogados de São Paulo e a OAB propuseram, durante o processo legislativo, que fosse vetado esse dispositivo, com base nos incisos LXIX e XXXV do artigo 5º da CF/88, não obtendo êxito. Na Adin 4.296, o Conselho Federal da OAB suscitou o entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto às medidas restritivas a liminares em leis ordinárias:

ADin 1576 – "Inconstitucional a lei que verse sobre a exigência de Caução para fins de concessão de liminares/proteção de direitos fundamentais".

Logo, a lei 12016/09 inovou mais uma vez a revés da jurisprudência e dessa vez, substancialmente, a revés da doutrina.

O antigo parágrafo único foi convertido em cinco novos com o novel diploma, o primeiro especificando o recurso cabível contra sentença que defira ou indefira liminar no mandado de segurança: agravo de instrumento; o segundo restringe ainda mais a possibilidade de concessão de liminares com três novas situações:

a) a compensação de créditos tributários;

Súmula nº 212. Compensação de Créditos Tributários - Medida Liminar. A compensação de créditos tributários não pode ser deferida por medida liminar.

Entretanto, de forma paralela, também mediante súmula, o STJ admitiu o cabimento do mandado de segurança sobre a matéria de compensação de tributos:

Súmula nº 213. Mandado de Segurança - Compensação Tributária. O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária.

b) a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior.

STF. Súmula 323. "É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos".

Ora, como agir o contribuinte quando a alfândega, coagindo-o ilegal ou abusivamente a pagar determinado tributo, bloquear uma entrega de produtos perecíveis, senão impetrando um Mandado de Segurança com medida liminar?

c) Concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza

STF. Súmula 339. Não cabe ao poder judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia.

Assim, ampliou-se o número de limitações mesmo para o pagamento de "valores de qualquer natureza". Essa tendência da lei, sob o argumento de proteção do interesse público e do erário, mitigou, de pleno, os préstimos do instrumento do mandado de segurança, na sua condição de garantia constitucional contra ilegalidades.

O terceiro parágrafo do Art. 7º (novo) determina que deferida a liminar, seus efeitos durarão até a prolação da sentença, podendo ser revogada ou cassada, mas não determinado seu "prazo de validade" como fazia a lei anterior, em benefício do jurisdicionado.

O último dos parágrafos (novo), todavia, disciplina que deferida a liminar, o processo terá prioridade para julgamento. A despeito de aparentar uma celeridade conferida ao processamento do mandamus, pode acabar por agravar a situação daqueles processos que estão sendo afastados pela lei da possibilidade de concessão de liminar.

Por fim, o quinto e último parágrafo declara que as vedações relacionadas com a concessão de liminares então previstas se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil.

O artigo oitavo, que contém redação semelhante ao revogado artigo 2º da Lei n 4.348/64, renova a crença na utilidade de sua disposição – pois, paralelamente, estavam sendo utilizadas outras medidas coercitivas na tentativa de efetivar a tutela - busca a lealdade processual, determinando que será decretada a perempção ou caducidade da medida liminar ex officio ou a requerimento do Ministério Público quando, concedida a medida, o impetrante criar obstáculo ao normal andamento do processo ou deixar de promover, por mais de 3 (três) dias úteis, os atos e as diligências que lhe cumprirem.

Assim, aquele litigante que, satisfeito com a medida liminar lhe deferida, buscar travar o andamento processual para usufruir dos seus efeitos, poderá ser penalizado pela revogação de sua liminar.

O art. 9° com regra que apresenta muita similitude com o revogado artigo 3º da Lei nº 4.348/64, prevê que as autoridades administrativas, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas da notificação da medida liminar, deverão remeter ao órgão a que se acham subordinadas tal qual seu representante legal, cópia autenticada do mandado notificatório, assim como elementos para defesa ou suspensão daquela.

Tal medida busca, certamente, assegurar a apreciação por parte do órgão hierarquicamente superior da medida liminar deferida contra seu subordinado. Evitam-se, assim, demoras pela intervenção daquela no feito, tal qual lhe garante amplo exercício do seu direito de defesa.

O artigo 10 acrescenta o princípio da motivação das decisões judiciais àquela que indeferir de plano o mandado de segurança quando: lhe faltar algum dos requisitos legais (abrangendo leis outras que disciplinem a matéria); decorrido o prazo legal para a impetração ou mesmo se a medida não for o meio adequado.

O seu parágrafo primeiro estabelece, em acordo com a lei antiga e com a sistemática recursal do Código de Processo Civil (Buzaid), qual o recurso cabível contra esta decisão: apelação. Ademais, retira sombras de possíveis dúvidas ao esclarecer que, quando a competência para o julgamento do mandado de segurança couber originariamente a um dos tribunais, do ato do relator caberá agravo regimental.

O parágrafo segundo deste décimo artigo não possui similar e acrescenta não ser admissível o ingresso de litisconsorte após o despacho da petição inicial. Busca-se a celeridade processual, tal qual evitar a interferência de litigantes oportunistas no feito, que aguardem a concessão da liminar em processos de outros para escolherem em qual juízo ingressar, o que, para alguns doutrinadores, fere o princípio do juízo natural.

Em consonância com a sistemática trazida pelas próprias inovações, o artigo undécimo determina a juntada dos comprovantes notificatórios enviados à autoridade coatora e seu representante judicial, além da comprovação da remessa nos casos de urgência trazidos à baila no artigo quarto. Este artigo corresponde ao nono da lei revogada, somado às discrepâncias ora assinaladas.

O artigo 12, em similitude ao antigo 10, foi alterado no prazo para a oitiva do Ministério público, passando de 5, para 10 dias, embora, como de sabença, seja este impróprio. No seu parágrafo primeiro, dilatou-se por conseguinte o prazo para a decisão do juiz – 30 dias - com ou sem o parecer do Ministério Público.

O décimo terceiro – correspondente ao antigo undécimo – melhorou a redação do artigo e acrescentou a necessidade de notificação da decisão que defere a segurança à pessoa jurídica interessada – além, obviamente, da autoridade coatora, consagrando, em conjunto com o inciso II do artigo 7º, a entidade pública de cujo quadro qual faz parte a autoridade coatora como parte demandada no processo.

O antigo parágrafo único, pela caducidade em relação às novas tecnologias e burocracia exacerbada, foi revogado. O novo, em obediência à sistemática trazida para os casos de urgência (art. 4°), previu que pode o magistrado se utilizar para tal notificação de telegrama, radiograma, fax ou outro meio eletrônico de autenticidade comprovada.

O artigo 14, em seu caput, dispôs sobre o cabimento de apelação diante de sentença prolatada, repetindo o regramento anterior e seguindo o modelo do sistema recursal estabelecido pelo Código de Processo Civil de 1973. Ocorre, todavia, que não foi regulamentada a interposição do recurso – nem mesmo com relação ao respectivo prazo. Diante disso, entendemos pela aplicabilidade do regramento da lei geral adjetiva civil, assim como para todo o sistema recursal do rito especial do mandamus, o que nos leva, inclusive, a enxergar como equívoco a proibição de embargos infringentes pelo artigo 25, problemática mencionada à frente.

Faça-se um breve interregno para aclarar a aplicabilidade da legislação processual geral no rito especial do mandamus. Levando-se em consideração o sistema recursal, em virtude do momento oportuno para tanto, tenha-se em conta a ausência de regramento para a apelação, os recursos especial, ordinário e extraordinário já comentados, bem assim do agravo de instrumento. Pela regra básica de hermenêutica, se o sistema possui um regramento geral, aplica-se-o quando do silêncio do rito especial, presumindo-se uma atitude extremamente reflexiva por parte do legislador.

Eduardo Talamini (2009, p. 50) explica com destreza o equívoco que levava os juristas a acreditarem no afastamento do CPC em termos de mandado de segurança:

Invocava-se o artigo 20 da Lei 1.533/1951, para daí se extrair a inaplicabilidade das regras do CPC ao mandado de segurança. A tese não procedia. O art. 20 da antiga Lei, ao estabelecer que "revogam-se os dispositivos inseridos no Código de Processo Civil sobre o assunto e mais disposições em contrário", tinha de ser compreendido em seu contexto histórico. Até a edição da Lei 1.533/1951, o processo do mandado de segurança era regulado por dispositivos inseridos no Código de 1939. Foi a aplicação de tais regras específicas, e não necessariamente de outras, que se pretendeu afastar.

Tal regra da legislação vetusta era anacrônica, por despicienda, já que a lei especial afasta a aplicação de dispositivos da lei geral que com aquela entrem em dissonância.

Considere-se, inclusive, que, por diversas vezes, a nova lei traz referência à aplicabilidade do diploma processual civil para o rito do mandamus, para que se conclua sobre a clara aplicabilidade do Código de Processo Civil.

O §1º do art. 14, em inovação legislativa, dispõe caber remessa necessária – ou seja, ser "obrigatório" o duplo grau de jurisdição, não estando na legislação anterior a expressão da obrigatoriedade, o que suscitava dúvidas - em relação apenas sentença que conceder a segurança. Não restou clara, todavia, a obediência ao princípio geral estabelecido no CPC, de que somente se submete à revisão a sentença desfavorável à Fazenda Pública que exceda o valor de sessenta salários mínimos (segundo a orientação do artigo 475 do CPC). Mais uma vez, posicionamo-nos pela aplicabilidade do artigo 475 do CPC, pelo já exposto, bem assim em virtude de ser igualmente possível de se afastar o princípio da lesão ao interesse público para o caso de mandado de segurança.

Em análise preliminar, o dispositivo pode parecer compatível com a política de proteção ao interesse público, estabelecida no artigo 475 do CPC. Todavia, deve-se considerar que se trata de mandado de segurança, instrumento, conforme já dito, que representa não apenas um instrumento processual, como incorpora uma garantia constitucional fundamental utilizada pelo cidadão para defesa contra as arbitrariedades do Estado. É incompatível com a lógica do instituto, já que confere à sentença que possa prejudicar a Fazenda Pública maior importância do que à sentença que eventualmente prejudique, pela denegação, a tutela de direito de envergadura constitucional – a ponto de se submeter ao reexame obrigatório apenas o primeiro caso. [04]

Destaque-se que, mais uma vez, o legislador, em sua redação, restringiu o "recurso voluntário" às sentenças, ficando de fora os acórdãos.

Outra novidade sobre a qual é oportuna a consideração é a possibilidade de a autoridade coatora recorrer, regra inserta no §2º do art. 14.

Muitas e duradouras foram as discussões doutrinárias acerca da legitimidade recursal atribuível ou não à autoridade coatora. O Superior Tribunal de Justiça vinha esposando a tese de que não era admissível que a autoridade coatora recorresse:

Mandado de segurança. Recurso especial interposto por prefeito municipal. Impossibilidade. Legitimidade recursal de pessoa jurídica de direito público. Precedentes. Agravo regimental improvido.

(AgRg no Ag 1068039/SC, rel. Min. Nilson Naves, j. 20.11.2008, p. 09.02.2009)

Em outro entendimento da mesma corte superior, defendeu-se que ela o poderia fazer apenas como terceira interessada, defendendo interesses outros que não o público:

PROCESSO CIVIL – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – MANDADO DE SEGURANÇA LIMINAR: ATAQUE VIA AGRAVO DE INSTRUMENTO – LEGITIMIDADE PARA RECORRER.

1. Tem legitimidade para recorrer, no mandado de segurança, em princípio, o órgão público, e não o impetrado, que age como substituto processual da pessoa jurídica na primeira fase do writ.

2. Ao impetrado faculta-se, não obstante, a possibilidade de recorrer como assistente litisconsorcial ou como terceiro, apenas a fim de prevenir sua responsabilidade pessoal por eventual dano decorrente do ato coator, mas não para a defesa deste ato em grau recursal, a qual incumbe à pessoa jurídica de direito público, por seus procuradores legalmente constituídos.

3. Embargos de divergência conhecido, mas improvido.

(REsp 180613/SE. Embargos de divergência. Rel. Minª. Eliana Calmon,Corte Especial, 17.11.2004, p. 17.12.2004)

A tese que prevaleceu nessa nova sistemática imposta pela legislação foi a de que a autoridade coatora é, sim, legítima para recorrer, afastando-se, como conclusão, a tese de que ela apenas representaria uma mera prestadora de informações ao julgador do mandado de segurança. Em primeiro grau, presenta a pessoa jurídica de direito público, na tese de Pontes de Miranda (apud MARINONI e ARENHART, 2009), sendo em segurndo grau, com a nova lei, assistente litisconsocial, terceira interessada no processo na visão do acórdão exposto, proveniente do STJ, pois interessada em livrar a responsabilidade pessoal daquele que ocupa o cargo no qual exerceu a suposta conduta ilegal ou abusiva. [05]

É possível questionar, ainda, se tal dispositivo se referiu à possibilidade recorrer, em geral, ou se apenas à possibilidade de apelar, já que o dispositivo está localizado no artigo referente à apelação (MACHADO, 2009). Deve-se ter em conta a intenção de economia processual que motiva a extensão da participação da autoridade coatora no processo, porquanto deve ser o dispositivo interpretado da maneira mais ampla possível.

O §3º do mesmo artigo, por sua vez, consagra mais uma disposição que vai de encontro à ideologia da tutela fundamental promovida pelo mandado de segurança. Isso porque veda a execução provisória à sentença que verse sobre matérias acerca das quais é proibida a concessão de liminar. Afora a discussão sobre a arbitrariedade da vedação da concessão de liminar nessas matérias, que não é assunto deste dispositivo, é possível invocar o questionamento acerca da arbitrariedade repisada por este parágrafo, que impede a execução de um pronunciamento dotado de certeza jurídica consubstanciado na sentença, a qual não mais se trata de cognição mitigada característica de uma liminar.

O §4º do art. 14, como último do dispositivo, estende aos servidores pertencentes à administração autárquica estadual e municipal a restrição que faz. Impede o dispositivo que se pleiteiem vencimentos e vantagens referentes a período anterior ao ajuizamento do mandamus, o que já era explicado pelo Excelso Pretório pelo motivo de que o "mandado de segurança não é substitutivo da ação de cobrança" (Súmula 269 do STF). Conseqüência disso é que a "concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria" (Súmula 271 – STF). Razoável previsão, se se considerar a cognição sumária deste rito e o caráter de urgência, consubstanciado na busca da tutela específica pelo provimento jurisdicional mandamental.

O artigo 15 desta lei merece bastante atenção. Esse conjunto de dispositivos estampa a perda da oportunidade de melhora da legislação em prol do cidadão, daquele que se vale do mandado de segurança para se proteger dos arbítrios do Estado. Houve reprodução, neste dispositivo, dos termos do antigo artigo 4º da Lei nº 4.348/64, porquanto o execrável instituto da "suspensão da segurança" se renovou.

Como primeira consideração sobre o instituto,

Continua, assim, possível para o Presidente do Tribunal - a quem couber conhecimento de eventual recurso especial ou extraordinário no bojo do mandado de segurança -, que, sob a justificativa de "evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas", critério demasiadamente amplo e prejudicialmente sujeito à subjetividade do julgador, suspenda os efeitos da concessão da segurança em liminar ou em sentença (caput do novel artigo 15), abrindo-se caminho para que o Estado perpetue os abusos cometidos contra aqueles que se acham, em tese, protegidos pelo remédio heróico. [06]

Amplia-se, ainda, a legitimidade para o requerimento da suspensão ao Ministério Público, evidenciando a intenção do legislador de promover a permanência deste dispositivo no ordenamento jurídico pátrio (caput do art. 15).

Como revigoramento deste instituto teratológico para os cortes de um Estado Democrático de Direito, continuou prevista a possibilidade de se requerer uma nova suspensão, dessa vez diretamente aos Presidentes do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, quando da denegação da primeira (artigo 15, §1º); quando do provimento, pelo órgão colegiado, de agravo de instrumento interposto pelo impetrante contra a primeira decisão concessora da suspensão (proferida pelo Presidente do Tribunal a quo), ou, ainda, quando da denegação de agravo de instrumento interposto contra o despacho que defere a liminar (§2º do artigo 15).

É bastante válida, sobre isso, a observação de Hugo de Brito Machado (2009, p. 46) que se registra a seguir:

A suspensão da liminar e da sentença que concede o mandado de segurança fica, agora, a depender de apenas duas autoridades judiciárias, a saber, o Presidente do Supremo Tribunal Federal e o Presidente do Superior Tribunal de Justiça. Isto significa dizer que os provimentos judiciais de urgência, contra o Poder Público, somente subsistem se contarem com o apoio dessas duas autoridades.

O §3º do artigo 15 continuou, também, registre-se, a estabelecer que a interposição de agravo de instrumento em face de decisão concessora da liminar nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes "não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão", o que concede mais uma chance ao Poder Público, fracassado em sede de liminar em outro processo, de obter decisão vantajosa para si.

O §4º do artigo 15 em questão prevê, por sua vez, dando continuidade ao acréscimo que trouxe para a Lei nº 8.437/92 a Medida Provisória nº 2.180-35, em 2001, que "o presidente do tribunal poderá conferir ao pedido [de suspensão] efeito suspensivo liminar se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida". Ou seja, em fortalecimento ao instituto da suspensão de segurança, admite-se até mesmo cognição de natureza sumária na análise de tal pedido de suspensão.

Perpetuando o enfraquecimento da lógica do instituto do mandado de segurança, o §5º vem endossar a força política do instituto da suspensão da segurança quando permite ao presidente do tribunal, em liminares cujo objeto seja idêntico, suspendê-las "em uma única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original". Tal decisão já era prevista através da Medida Provisória nº 2.180-35/2001. Endossa uma equiparação de processos e o julgamento do incidente de maneira similar a um "julgamento de causas repetitivas".

Como piora adicional, foi reduzido o tempo para interposição de agravo que questione o despacho concessor da segurança. Enquanto antes era de 10 dias, de acordo com a Lei nº 1.533/51, agora é de cinco dias o prazo máximo para manifestação da irresignação com o teor da suspensão. Continua a ausência de efeito suspensivo a tal recurso (caput do artigo 15).

O artigo 16, caput, segunda parte, inovou quando permitiu a defesa oral na sessão do julgamento. Cabe agora o questionamento de se tal "defesa oral" deveria ser interpretada, a bem do impetrante, de maneira ampla, permitindo o pronunciamento de ambas as partes do processo, ou se de maneira restritiva, de modo a permitir apenas ao Estado apresentar sua defesa, na condição de réu do processo, em suposta observância ao interesse público primário – que, muitas vezes, pode encerrar um conteúdo de interesse secundário.

Em correspondência à previsão do §1º do artigo 7º da lei em discussão, o parágrafo único do artigo 16 trouxe regramento sobre a tramitação do mandado de segurança no âmbito dos tribunais que detenham competência originária de processamento e julgamento. Permitiu que ambas as partes se valham de agravo interno em caso de concessão ou denegação da liminar, em sintonia com a tramitação de feitos de outra natureza de competência originária dos tribunais.

O artigo 17, trazendo disposição nova, consagra a necessidade de celeridade na prestação jurisdicional que envolva o mandado de segurança, ao prever que "Nas decisões proferidas em mandado de segurança e nos respectivos recursos, quando não publicado, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data do julgamento, o acórdão será substituído pelas respectivas notas taquigráficas, independentemente de revisão". Saliente-se que as notas taquigráficas registram todos os incidentes solvidos, as questões de ordem suscitadas pelos juízes ou patronos, bem assim os votos na íntegra dos magistrados - quando atuantes em colegiados -, enfim, as ocorrências durante o ato que finaliza o processo em determinada instância, servindo até como fundamentação para recurso contra decisão ou acórdão cujos fundamentos não se encontrem em consonância com o registrado nas notas taquigráficas.

O artigo 18, com redação também inédita no âmbito do mandado de segurança, exerceu a função de regulamentar a previsão constitucional de cabimento de recursos ordinário e extraordinário diante das decisões em mandados de segurança proferidas em única instância (arts. 102, III, e 105, III, da CF/88). Ademais, dispôs sobre o cabimento de recurso ordinário, este apenas nos casos de denegação da ordem pleiteada, previsão também existente na Lei Maior de 1988 (arts. 102, II, e 105, II, da CF/88).

O artigo 19 da Lei nº 12.016/2009 foi responsável pelo esclarecimento de dispositivo correspondente na legislação anterior, em conformidade com a doutrina majoritária que se formou em prol de sua interpretação: restringiu expressamente a possibilidade de renovação de discussão da matéria que antes estava em sede de mandado de segurança. Tal restrição se deu em relação às causas que já tiveram seu mérito analisado no mandamus, em respeito à coisa julgada.

Em conseqüência, novo pleito, dessa vez não por tutela específica, mas por efeitos patrimoniais, formulado em razão da mesma causa de pedir, somente poderá se dar quando a sentença tenha sido favorável ao impetrante e caiba ressarcimento ou, ainda, quando o mérito não tenha sido apreciado em sede do mandamus.

O artigo 20, caput, reitera a prioridade já existente do julgamento de mandados de segurança em relação a outros feitos, à exceção do habeas corpus. O §1º do dispositivo em tela também reproduz texto anterior, que intenciona conferir celeridade ao processamento do remédio constitucional.

O §2º, por sua vez, observando o contexto do uso massificado do mandado de segurança no atual contexto processual brasileiro [07], bem como do grande volume de trabalho das secretarias judiciárias dos últimos tempos, aumenta o prazo máximo para conclusão ao julgador competente dos autos de mandados de segurança, lapso extendido de vinte e quatro horas para cinco dias.

O artigo 21 consiste em pedra angular no bojo da legislação processual brasileira. Isso porque, mais de vinte anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, proporcionou a regulamentação do processamento e julgamento de um instrumento de tamanha monta para o contexto social hodierno, que consiste no mandado de segurança coletivo – artigo 5º, LXX, da Constituição Federal. [08]

Afirma Daniel Zanetti (2009, p. 20) que "as peculiaridades do mandado de segurança coletivo se restringem à legitimidade ativa e à especificidade de seu objeto, relacionado à tutela de direitos coletivos e individuais homogêneos".

No tocante, pois, ao rol de legitimados, de acordo com a cabeça do artigo em questão, estes são os partidos políticos, as organizações sindicais, as entidades de classe ou associações legalmente constituídas há pelo menos um ano.

Os partidos políticos tiveram sua legitimidade limitada, na lei, à "defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária". Na mesma esteira, limitaram-se as matérias a serem abordadas pelas associações e entidades de classe ao se estabelecer que devem ser "pertinentes às suas finalidades". Vale observar que nenhuma dessas restrições está no texto constitucional.

De conformidade com a Súmula 629 do STF, previu-se no caput do artigo em tela a dispensa de autorização especial para as associações ou entidades de classe. Isso porque, bem analisada a natureza do direito em questão, trata-se aqui de substituição processual, não de representação, bastando àquela, pois, ser prevista expressamente em lei para que seja exercitada.

Ainda no tocante ao caput do art. 21, em consonância com a Súmula 630 do STF, prevê-se a possibilidade de a entidade de classe defender um interesse que não seja propriamente indivisível - de toda a categoria -, mas de apenas parte dela. Cria legitimação extraordinária para a proteção de interesses coletivos lato sensu. [09]

No que atine ao objeto, os incisos I e II do parágrafo único do artigo 21 apenas mencionaram e definiram direitos "coletivos" e "individuais homogêneos" como sendo objeto do mandamus, pondo fim à controvérsia doutrinária sobre o eventual cabimento de mandado de segurança para tutela de direitos difusos. Isso foi ao encontro da maioria da doutrina e jurisprudência - que cria na possibilidade de tal abrangência -, embasando-se no entendimento de que a processualística mandamental não se adequa às peculiaridades dos direitos difusos, os quais, indivisíveis e fluidos, restam de difícil demonstração em um rito que exige pré-constituição de prova documental.

O artigo 22, ainda regrando o mandado de segurança coletivo, omite-se acerca de se a coisa julgada se fará secundum eventum litis, ou seja, apenas em face de determinadas situações - já que o processo coletivo é dotado de peculiaridades, especialmente no campo probatório, que impedem a extensão da coisa julgada desfavorável à coletividade como um todo. Ocorre, todavia, que não cabe, para o rito sumário do mandamus, em que se exige prova pré-constituída, a ontologia da sentença de improcedência por insuficiência de provas. Isso porque o que ocorre, em verdade, é a denegação do mandado de segurança por ausência de prova pré-constituída, uma das condições da ação (art. 267, III, do CPC). Inexiste, nesse caso, sequer a análise do mérito, porquanto é possível propor ação diversa com o mesmo propósito, de acordo com o permissivo do artigo 19 da nova lei.

A primeira parte do §1º do art. 22, dessa vez em sintonia com as peculiaridades exigidas por essa espécie de tutela, dispõe que "O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais". Todavia, a segunda parte do dispositivo estabelece que "os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva". Está tal previsão distante daquela ditada pelo código consumerista, uma vez que o artigo XX deste último permite à parte apenas suspender o seu processo individual e aguardar pelo resultado do processo coletivo, já que a intenção da regra é, claramente, a economia processual. Em malefício do impetrante – e conseqüente proteção ao Poder Público, que tem amenizados contra si os instrumentos processuais usuais - é a regra, dissidente, mais uma vez, da merecida ampla proteção pelo mandado de segurança, em decorrência de sua origem constitucional.

O §2º do artigo em questão gerou críticas contra si. Isso porque reproduz o hostilizado artigo 2º da Lei nº 8.437/92. Prevê o dispositivo da nova lei que "a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas". É bem verdade que muitas das prerrogativas da Fazenda Pública são postas em observância à isonomia material no processo, quando se tem a harmonização e, por consequência, um conflito apenas aparente entre a proteção do interesse público e os princípios da igualdade processual e efetividade da prestação de tutela jurisdicional. Todavia, a redação do dispositivo – "só poderá" - peca gravemente ao não deixar margem de discricionariedade ao magistrado à primeira leitura, podendo se tornar ferramenta de arbitrariedades em favor daqueles que não se esforçam por interpretá-lo em conformidade com a Constituição.

O artigo 23, por sua vez, perpetua o entendimento de que sofre decadência no lapso de cento e vinte dias o direito ao uso do mandado de segurança – jamais o direito objeto da ação. Conflita essa previsão, mais uma vez, com a essência constitucional fundamental da garantia que se propõe o ordenamento a tutelar. [10]

Todavia, de encontro a essa orientação está o entendimento do Supremo Tribunal Federal que, no verbete nº 632 de sua Súmula definiu que "É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração do mandado de segurança", a qual aqui se combate face à sua inconstitucionalidade – art. 5º, XXXV, da CF. De qualquer maneira, já se excluem da incidência de tal prazo, por sua própria natureza, as impetrações preventivas, as relações jurídicas de trato sucessivo ou atos omissivos continuados, pois se renovam de mês a mês. Isso de acordo com entendimento do STJ (REsp 247884/DF, 6ª T, rel. Min. Vicente Leal, p .25.06.2001, p. 253), já combatido pelo STF (RMS 18387, Min. Barros Monteiro, RTJ 50/174).

Vale salientar que o projeto de lei referente à Lei nº 12.016/2009, em regramento ainda mais prejudicial ao impetrante, encerrava dispositivo que, mesmo evidenciando o direito do autor à emenda da petição inicial para corrigir a indicação da autoridade coatora, estabelecia que a emenda somente poderia ocorrer dentro do prazo decadencial de cento e vinte dias. Seria o artigo 6º, §4º, que sabiamente foi vetado pelo Chefe do Executivo.
O artigo 24 estabelece a aplicabilidade do instituto do litisconsórcio, tal como regulado no Código de Processo Civil – arts. 46 a 49 -, ao mandado de segurança. Regra equivalente já existia no artigo 19 da Lei nº 1.533/51. A nova lei não dispôs sobre a possibilidade de cabimento de assistência litisconsorcial, como vinha sendo defendido pela doutrina de, v.g., Sérgio Ferraz e Hely Lopes (apud LOPES, 2004). Em verdade, qualquer restrição pela Lei Maior no uso do mandamus deveria ser reputada inconstitucional, até mesmo pela afronta ao princípio do acesso à justiça. [11] Eduardo Talamini (2009), com acuidade, soluciona a questão com o artigo 54 do CPC, afirmando que a assistência litisconsorcial se submete ao regime jurídico do litisconsórcio.

Em adoção da tese que circulava na jurisprudência majoritária, a nova lei estabeleceu o não cabimento de honorários sucumbenciais em sede de mandado de segurança – artigo 25 - , assim como ocorre com o habeas corpus, isto tudo sob a alegação da envergadura constitucional de ambos os institutos processuais, bem assim da inaplicabilidade do artigo 20 do CPC ao rito especial, o que já ocorria com o diploma anterior. [12] Deve-se ter em conta, porém, que o acesso à justiça não é mitigado pela condenação em honorários sucumbenciais, já que se tem à disposição do realmente necessitado a técnica da Lei nº 1.060/50. Ainda, o Código de Processo Civil é adotado no rito especial do mandado de segurança, no que não for contrário a este.

Além disso, ausência de condenação em honorários advocatícios pode subverter a ordem propagada pelo instituto, estimulando o uso leviano do instrumento por quem não tem certeza de seus direitos. Ainda, na visão de Hugo de Brito Machado (2009), possui o novo diploma "o inconveniente de impedir a reparação integral do direito lesado por ato ilegal ou abusivo, pois o impetrante suportará, sempre, o ônus dos honorários de seu advogado". Atente-se para que se excluem desta previsão, ao menos, os ônus sucumbeciais atribuídos no caso de litigância de má-fé.

Ademais, o mesmo artigo 25 também prevê não cabíveis embargos infringentes no seio deste procedimento, consolidando súmulas (597 do STF; 169 do STJ) das Cortes Superiores. Está-se diante da perpetuação de um equívoco trazido pela interpretação majoritária da lei anterior, que inadmitia qualquer aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, o que não ocorre, conforme já se frisou oportunamente. "Não há justificação lógica ou jurídica para impedir a utilização dos embargos infringentes (...). A especialidade e a ausência de tipicidade do recurso na lei do mandado de segurança não podem ser utilizadas como argumento sério", lecionam MEDINA e ARAÚJO (2009, p. 235).

O artigo 26 da nova lei faz referência a um tipo penal, que é o crime de desobediência (art. 330 do Código Penal), esclarecendo-se a múltipla incidência de punições (civil, penal e administrativa) em uma única conduta, a de descumprimento de ordens emanadas do judiciário em sede de mandado de segurança, mas isso de encontro à orientação do STJ (HC 92.655/ES, Quinta Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 18.12.2007, DJ 25.02.2008). Isso é fruto da evolução doutrinária registrada por eminentes doutrinadores, a exemplo de Hely Lopes Meirelles (apud LOPES, 2004), que entendia não caber novo mandado de segurança diante do descumprimento da ordem judicial, mas sim medidas coercitivas, além de que isso consiste em crime já tipificado no Código Penal (art. 330). Deve-se, todavia, observar a impropriedade da referência ao artigo 330 do CP, ao invés da criação de novo tipo penal mais abrangente – providência mais apropriada, que tornaria mista a nova lei. Isso porque o tipo referido no código criminal consiste em crime de particular contra a Administração, o que não posiciona como sujeito passivo os funcionários públicos no exercício de sua função, justamente, em muitos casos, os responsáveis pelo entrave do direito pleiteado no mandamus (art. 319, CP – TRF4 HC 3191/RS, 8ª T, rel. juiz Élcio Pinheiro, p. 29.05.20002, p. 639 e TRF3 HC 11865/SP, 2ª T, rel. juíza Arice Amaral, j. 27.05.2002, p. 282).

O legislador cuidou, ainda, no mesmo dispositivo, de não afastar a jurisdição administrativa, bem assim os crimes políticos configurados por conduta similar no tocante às autoridades de alto escalão, por serem crimes próprios, em lugar do delito de desobediência de que aqui se trata. Deveria haver o legislador previsto, ainda, a inafastabilidade da punição a título de improbidade administrativa, de conformidade com a atual sistemática de proteção ao interesse público primário atentado pelo agente público, quando cria uma quarta esfera de responsabilização – além da civil, penal e administrativa -, a qual pune a conduta ímproba (art. 37, §4º, da CF/88), como produto da intolerância às ofensas deflagradas contra o princípio da moralidade administrativa.

A regra extraída do artigo 27 visa a proporcionar às Cortes do Judiciário, responsáveis pela escolha do procedimento que melhor se adequa às realidades de sua jurisdição, o tempo de cento e oitenta dias para adaptação de seus regimentos internos às disposições da novel lei, a fim de conferir a necessária eficácia à nova disciplina promulgada para o mandado de segurança. Todavia, resta o questionamento acerca de que norma seria aceita durante esse lapso temporal: aquela disposta no regimento interno – acerca de, v.g., um determinado prazo mais extenso que a nova previsão legal – ou a prevista na lei. Parece mais razoável a compreensão de que se deve aceitar, mesmo ainda não adaptada, a norma regimental, se beneficie o jurisdicionado, já que esse período suscitará dúvidas sobre a norma aplicável, ainda mais se considerada a disposição do artigo 28, a seguir.

Em relação ao artigo 28, tal dispositivo traz a previsão de entrada em vigor da lei na data de sua publicação. Diante disso, deve-se atentar para a prejudicialidade dessa medida, uma vez que o mandado de segurança, antes de ser um instituto processual, sobre o qual, portanto, são aplicadas as normas tão logo entrem em vigor – tempus regit actum -, é uma garantia de estirpe constitucional, a qual encerra conteúdo de direito fundamental. Deve-se atentar para o equívoco do legislador ao promover essa previsão, já que a inexistência de vacância para a lei não permitiu aos respectivos patronos uma análise mais detalhada da norma, a qual evitaria equívocos que comprometeriam o acesso à justiça para obtenção de uma garantia nascente na própria constituição.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A nova lei do mandado de segurança (Lei n° 12.016/09) chegou com o condão principal de redimir dúvidas e ao mesmo tempo solidificar pacíficos entendimentos jurisprudenciais, das principais cortes do país, a respeito instituto. É o que se observa em análise apressada do aspecto geral da novel lei.

Recebeu a lei, todavia, severas críticas quanto à possível diminuição da abrangência do remédio constitucional, assim como da redução de possibilidades de concessão de liminar.

Doutrinas de grande envergadura condenam esse novel dispositivo, afirmando que reduziu os préstimos de garantia constitucional tão importante do cidadão. Como aduz Scarpinella Bueno (apud MACHADO, 2009, p. 41), "o mandado de segurança não pode renascer velho. Uma nova lei do mandado de segurança deve espelhar e transpirar os ares de hoje. O processo do mandado de segurança não pode, por definição, conspirar contra aquele que tem razão na contramão do que as mais recentes reformas do Código de Processo Civil têm pregado e posto em prática".

REFERÊNCIAS

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DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil: processo coletivo. V. 4. Salvador: Editora Jus Podivm, 2009.

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RODRIGUES, Marcelo Abelha. Apresentação e crítica de alguns aspectos que tornam a suspensão de segurança um remédio judicial execrável. Interesse Público: Revista

Notas

1. Foram revogados, ainda, os seguintes dispositivos, presentes em normas não destinadas exclusivamente à disciplina do mandado de segurança: art. 3o da Lei no 6.014/1973; art. 1o da Lei no 6.071/1974, o art. 12 da Lei no 6.978/1982, e o art. 2o da Lei no 9.259/1996.
2.
3. Assim já vinha entendendo o STJ. Súmula 333: Cabe mandado de segurança contra ato praticado em licitação promovida por sociedade de economia mista ou empresa pública. A licitação, por extrapolar o âmbito privado, é ato passível de mandado de segurança. O veto do §4º veio a bem do cidadão, uma vez que impediu a vigência de disposição que estabelecia, a pretexto de viabilizar a possibilidade de emenda para correção da destinação da autoridade, que a correção da indicação da autoridade coatora somente poderia ser feita antes de escoado o prazo decadencial de cento e vinte dias.

Razão do veto : "A redação conferida ao dispositivo durante o trâmite legislativo permite a interpretação de que devem ser efetuadas no correr do prazo decadencial de 120 dias eventuais emendas à petição inicial com vistas a corrigir a autoridade impetrada. Tal entendimento prejudica a utilização do remédio constitucional, em especial, ao se considerar que a autoridade responsável pelo ato ou omissão impugnados nem sempre é evidente ao cidadão comum." – ver ainda voto do Min. Carlos Britto nesse sentido
4. Ressalte-se que o "interesse público", muitas vezes, não se trata daquele primário, relativo aos interesses de toda a população, mas sim ao secundário, relativo aos anseios do próprio Estado enquanto pessoa jurídica – os quais, muitas vezes, conflitam com aqueles de jaez primário (MELLO, 2008) e podem, erroneamente, ser utilizados como justificativa para as prerrogativas da Fazenda Pública.
5. Eduardo Talamini (2009) aponta quatro teses principais que tentam definir que é o legitimado passivo para o mandado de segurança, com os seguintes títulos: tese de que a própria autoridade coatora seria o legitimado passivo; tese de que há litisconsórcio passivo entre a autoridade coatora e a pessoa jurídica de que ela é agente; tese que atribui à autoridade coatora mero papel de prestador de informações; tese que atribui a legitimidade passiva à pessoa jurídica e reconhece na autoridade a função de representante da pessoa jurídica. Há ainda a tese exposta no âmbito do STJ acerca de um possível assistente litisconsorcial, sendo certo que levará um certo tempo até que a doutrina e a jurisprudência apaziguem essa questão.
6. Além da ampla margem de subjetividade permitida ao julgador da matéria, acham-se, de pronto, dois mais aspectos negativos, que são a concentração do poder decisório nas mãos de uma só autoridade judiciária, o Presidente da Corte, bem como a ausência completa de contraditório, incompreensível no bojo de um Estado Democrático de Direito.
7. Uso esse, muitas vezes, estimulado pelas próprias autoridades ditas coatoras que, como observa Hugo de Brito Machado (2009, p. 48), ao invés de proceder garantindo na própria esfera administrativa o direito do cidadão, preferem lhes dizer que "entre na Justiça, porque aqui eu nada posso fazer".
8. Antes, o mandado de segurança coletivo era já normalmente processado e julgado, utilizando-se, porém, de adaptações à Lei nº 1.533/51, ao CDC (Lei nº 8.078/90) e à Lei da Ação Civil Pública (nº 7.347/85).
9. Os enunciados das súmulas 629 e 630 são, respectivamente: "A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes" e "A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria".
10. Contra essa previsão, alguns doutrinadores, em minoria, suscitam a inconstitucionalidade dessa disposição – art. 5º, XXXV -, desde a sua existência no bojo da legislação anterior. Afirmam que, se a Constituição não limitou o exercício do direito protegível por mandado de segurança, não caberá à legislação infraconstitucional fazê-lo. (Sérgio Ferraz e Nelson Nery Júnior apud LOPES, 2004).
11. O STF segue raciocínio oposto. Nesse sentido: S 3273AgR-segundo/RJ, Tribunal Pleno, rel. Minª. Ellen Gracie, j. 16.04.2008, p. 19.06.2008
12. STF - SÚMULA 294: São inadmissíveis embargos infringentes contra decisão do supremo tribunal federal em mandado de segurança; STF - SÚMULA 597: Não cabem embargos infringentes de acórdão que, em mandado de segurança, decidiu, por maioria de votos, a apelação; STJ - SÚMULA 169: São inadmissíveis embargos infringentes no processo de mandado de segurança; STF - SÚMULA 512: Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de segurança; STJ - SÚMULA 105: Na ação de mandado de segurança não se admite condenação em honorários advocatícios.