segunda-feira, 31 de maio de 2010

Vídeo sobre a polêmica Usina de Belo Monte

Moradores e ambientalistas de Altamira (PA) expressam preocupação quanto à projetada construção da megausina hidrelétrica Belo Monte, a poucos quilômetros da cidade, na região conhecida por Volta Grande do rio Xingu.

Movimento Xingu Vivo para Sempre divulga nota sobre Belo Monte e a decisão do TRF

Movimento Xingu Vivo para Sempre divulga nota sobre Belo Monte e a decisão do TRF
[21/04/2010 09:58]

Em nota divulgada ontem à noite (20/4), o Movimento Xingu Vivo para Sempre expressa sua indignação: mais com a decisão do TRF da 1ªRegião do que propriamente com o resultado do leilão da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Leia o texto na íntegra.


Nota do Movimento Xingu vivo Para Sempre acerca do leilão da UHE de Belo Monte
No dia de hoje (20/04) foi realizado o leilão para a concessão do aproveitamento hidrelétrico de Belo Monte, que o Governo Federal pretende instalar no rio Xingu, no Estado do Pará. Sob um forte aparato policial, os investidores tiveram de entrar por uma porta lateral da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, com medo dos manifestantes que estavam do lado de fora. Só que estes estavam proibidos pela Justiça de se manifestar: um interdito proibitório interposto pela ANEEL, e acatado pela Justiça (!), proibia qualquer manifestante de se aproximar a menos de 1 quilômetro do local do leilão!

Mais do que as empresas interessadas em arrematar a obra - e se beneficiar dos generosos subsídios públicos que serão destinados à sua construção – foi a Justiça o grande ator desse dia. Nas mãos do Presidente do Tribunal Regional Federal da 1a Região, Jirair Meguerian, repousava, desde a noite anterior, um recurso interposto pela ANEEL para sustar os efeitos da medida liminar que havia sido outorgada pelo Juiz Federal de Altamira, Antônio Carlos Campelo, e que suspendia a realização do leilão.

Mas não era qualquer liminar. Era uma decisão de mais de cinquenta páginas, amplamente fundamentada não só em fatos objetivos e inquestionáveis, como também na legislação brasileira. Identificava diversas irregularidades no processo de licenciamento ambiental da usina, que iam desde a desconsideração de pareceres técnicos do Ibama até a postergação de estudos que deveriam ser necessariamente realizados antes de se tomar a decisão de construir ou não a obra. Reconhecia a interferência indevida de instâncias políticas superiores na decisão técnica do Ibama, o que levou a uma decisão apressada e insegura. Apontava para o desrespeito, pelo próprio governo, das regras estabelecidas.

O desembargador Jirair Meguerian, no entanto, provavelmente não leu a decisão que ele derrubou. Não contra-argumentou nenhum dos pontos da decisão de Campelo. Pior. Afirmou que a decisão havia sido baseada em “conjecturas” e que o Ibama, sendo um órgão “responsável”, não poderia ter cometido irregularidades. Baseado em dois artigos de jornal, sentencia que a obra não trará problemas ambientais, ignorando os muitos alertas feitos por pesquisadores independentes e do próprio Ibama.

Estamos indignados e estarrecidos com a decisão do TRF 1a Região, mais do que com o resultado do leilão. Um país no qual o Judiciário se furta de controlar os desvios cometidos pelo Poder Executivo está a meio caminho de um regime autoritário. Um país no qual um de seus principais tribunais fecha os olhos para as muitas irregularidades de um processo sob o pretexto de que isso é necessário para o “desenvolvimento”, tem um futuro sombrio. Como pode haver desenvolvimento sem respeitar as regras mínimas estabelecidas? Que regime democrático é esse que proíbe as pessoas de se manifestarem e põe os interesses econômicos por cima da lei? Esse é um dia triste para o país.

A polêmica em torno da construção da usina de Belo Monte na Bacia do Rio Xingu

A polêmica em torno da construção da usina de Belo Monte na Bacia do Rio Xingu, em sua parte paraense, já dura mais de 20 anos. Entre muitas idas e vindas, a hidrelétrica de Belo Monte, hoje considerada a maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, vem sendo alvo de intensos debates na região, desde 2009, quando foi apresentado o novo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) intensificando-se a partir de fevereiro de 2010, quando o MMA concedeu a licença ambiental prévia para sua construção

O s movimentos sociais e as lideranças indígenas da região são contrários à obra porque consideram que os impactos socioambientais não estão suficientemente dimensionados. Em outubro de 2009, por exemplo, um painel de especialistas debruçou-se sobre o EIA e questionou os estudos e a viabilidade do empreendimento. Um mês antes, em setembro, diversas audiências públicas haviam sido realizadas sob uma saraivada de críticas, especialmente do Ministério Público Estadual, seguido pelos movimentos sociais, que apontava problemas em sua forma de realização.

A inda em outubro, a Funai liberou a obra sem saber exatamente que impactos causaria sobre os índios e lideranças indígenas kayapó enviaram carta ao Presidente Lula na qual diziam que caso a obra fosse iniciada haveria guerra. Para culminar, em fevereiro de 2010, o Ministério do Meio Ambiente concedeu a licença ambiental, também sem esclarecer questões centrais em relação aos impactos socioambientais.

O governo federal anuncia para o mês de abril próximo, o leilão da usina.

Veja abaixo um resumo dessa história que teve início em fevereiro de 1989, em Altamira, no Pará, com a realização do I Encontro dos Povos Indígenas no Xingu.

Realizado entre 20 e 25 de fevereiro de 1989, em Altamira (PA), o I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, reuniu três mil pessoas - 650 eram índios - que bradaram ao Brasil e ao mundo seu descontentamento com a política de construção de barragens no Rio Xingu. A primeira, de um complexo de cinco hidrelétricas planejadas pela Eletronorte, seria Kararaô, mais tarde rebatizada Belo Monte. De acordo com o cacique Paulinho Paiakan, líder kaiapó e organizador do evento ao lado de outras lideranças como Raoni, Ailton Krenak e Marcos Terena, a manifestação pretendia colocar um ponto final às decisões tomadas na Amazônia sem a participação dos índios. Tratava-se de um protesto claro contra a construção de hidrelétricas na região.

Encontro de Altamira reuniu 3 mil pessoas, 650 índios, entre elas, e foi considerado um marco do socioambientalismo no Brasil.

Em 2008, 19 anos depois, realizou-se em Altamira o II Encontro dos Povos Indígenas do Xingu e daí nasceu o Movimento Xingu Vivo para Sempre.

Na memória dos brasileiros, o encontro ficou marcado pelo gesto de advertência da índia kaiapó Tuíra, que tocou com a lâmina de seu facão o rosto do então diretor da Eletronorte, José Antônio Muniz Lopes, aliás presidente da estatal durante o governo FHC. O gesto forte de Tuíra foi registrado pelas câmaras e ganhou o mundo em fotos estampadas nos principais jornais brasileiros e estrangeiros. Ocorrido pouco mais de dois meses após o assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, em Xapuri (AC), que teve repercussão internacional, o encontro de Altamira adquiriu notoriedade inesperada, atraindo não apenas o movimento social e ambientalista, como a mídia nacional e estrangeira.

O I Encontro dos Povos Indígenas foi o resultado de um longo processo de preparação iniciado um ano antes, em janeiro de 1988, (veja o item Histórico) depois que o pesquisador Darrel Posey, do Museu Emílio Goeldi do Pará, e os índios kaiapó Paulinho Paiakan e Kuben-I participaram de seminário na Universidade da Flórida, no qual denunciaram que o Banco Mundial (BIRD) liberara financiamentos para construir um complexo de hidrelétricas no Rio Xingu sem consultar os índios. Convidados por ambientalistas norte-americanos a repetir o depoimento em Washington lá foram eles. E, por causa disso, Paiakan e Kube-I acabaram enquadrados pelas autoridades brasileiras, de forma patética, na Lei dos Estrangeiros e, por isso, ameaçados de serem expulsos do país. O Programa Povos Indígenas no Brasil, do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), uma das organizações que deu origem ao Instituto Socioambiental (ISA), convidou Paiakan a vir a São Paulo, denunciou o fato e mobilizou a opinião pública contra essa arbitrariedade.

Para avançar na discussão sobre a construção de hidrelétricas, lideranças kaiapó reuniram-se na aldeia Gorotire em meados de 1988 e decidiram pedir explicações oficiais sobre o projeto hidrelétrico no Xingu, formulando um convite às autoridades brasileiras para participar de um encontro a ser realizado em Altamira (PA). A pedido de Paiakan, o antropólogo Beto Ricardo e o cinegrafista Murilo Santos, do Cedi, participaram da reunião, assessorando os kaiapó na formalização, documentação e encaminhamento do convite às autoridades. Na seqüência, uniram-se aos kaiapó na preparação do evento. O encontro finalmente aconteceu e o Cedi, com uma equipe de 20 integrantes, reforçou sua participação naquele que seria, mais tarde, considerado um marco do socioambientalismo no Brasil. Ao longo desses anos, o Cedi, e depois o ISA, acompanharam os passos do governo e da Eletronorte na questão de Belo Monte, alertas para os impactos que provocaria sobre as populações indígenas, ribeirinhas e todo o ecossistema da região.

Listada no governo FHC como uma das muitas obras estratégicas do programa Avança Brasil, a construção do complexo de hidrelétricas no Rio Xingu faz parte da herança legada ao governo Lula, eleito em novembro de 2002. Herança que era bem conhecida. Tanto assim, que o caderno temático O Lugar da Amazônia no Desenvolvimento do Brasil, parte do Programa do Governo do presidente eleito, alertava: “Dois projetos vêm sendo objeto de intensos debates: a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, e o de Gás de Urucu, no Amazonas. Além desses também preocupam as 18 barragens propostas na Bacia do Rio Araguaia e Tocantins. A matriz energética brasileira, que se apóia basicamente na hidroeletricidade, com megaobras de represamento de rios, tem afetado a Bacia Amazônica. Considerando as especificidades da Amazônia, o conhecimento fragmentado e insuficiente que se acumulou sobre as diversas formas de reação da natureza em relação ao represamento em suas bacias, não é recomendável a reprodução cega da receita de barragens que vem sendo colocada em prática pela Eletronorte”.
Decisão ficou para o governo Lula

Exemplos infelizes como a construção das usinas hidrelétricas de Tucuruí (PA) e Balbina (AM), as últimas construídas na Amazônia, nas décadas de 1970 e 1980, estão aí de prova. Desalojaram comunidades, inundaram enormes extensões de terra e destruíram a fauna e flora daquelas regiões. Balbina, a 146 quilômetros de Manaus, significou a inundação da reserva indígena Waimiri-Atroari, mortandade de peixes, escassez de alimentos e fome para as populações locais. A contrapartida, que era o abastecimento de energia elétrica da população local, não foi cumprida. O desastre foi tal que, em 1989, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), depois de analisar a situação do Rio Uatumã, onde a hidrelétrica fora construída, concluiu por sua morte biológica. Em Tucuruí não foi muito diferente. Quase dez mil famílias ficaram sem suas terras, entre indígenas e ribeirinhos. Diante desse quadro, em relação à Belo Monte, é preciso questionar a forma anti-democrática como o projeto vinha sendo conduzido, a relação custo-benefício da obra, o destino da energia a ser produzida e a inexistência de uma política energética para o país que privilegie energias alternativas.

Essas questões continuam a ser repisadas pelos movimentos sociais que atuam na região, como por exemplo, o Movimento Xingu Vivo para Sempre, criado recentemente, e que reúne os que levam adiante a batalha contra a construção de Belo Monte e de outras hidrelétricas no Rio Xingu.

Empossado na presidência da Eletrobrás, em janeiro de 2003, o físico Luiz Pinguelli Rosa, declarou à imprensa que o projeto de construção de Belo Monte seria discutido e opções de desenvolvimento econômico e social para o entorno da barragem estariam na pauta, assim como a possibilidade de reduzir a potência instalada, prevista em 11 mil megawatts (MW) no projeto original.

A persistência governamental em construir Belo Monte está baseada numa sólida estratégia de argumentos dentro da lógica e vantagens comparativas da matriz energética brasileira. Os rios da margem direita do Amazonas têm declividades propícias à geração de energia, e o Xingu se destaca, também pela sua posição em relação às frentes de expansão econômica (predatória) da região central do país. O desenho de Belo Monte foi revisto e os impactos reduzidos em relação à proposta da década de 80. O lago, por exemplo, inicialmente previsto para ter 1.200 km2, foi reduzido, depois do encontro, para 400 km2. Os socioambientalistas, entretanto, estão convencidos de que além dos impactos diretos e indiretos, Belo Monte é um cavalo de tróia, porque outras barragens virão depois, modificando totalmente e para pior a vida na região.


O dilema das fronteiras na trajetória guarani - Antonio Brand

O dilema das fronteiras na trajetória guarani.

Entrevista especial com Antonio Brand


“A identidade guarani remete, diretamente, para a ideia de pertencimento e para as relações de parentesco. Daí a importância da concepção de território como espaço de comunicação, com as suas marcas referidas e atualizadas pela memória”, assinala Antonio Brand, em entrevista à IHU On-Line. Nesse sentido, explica, as fronteiras nacionais representam um problema para os guarani porque “dificultam essa comunicação”. Independente da divisão territorial, eles “seguem com noções e conceitos próprios de fronteira, uma ideia mais sociológica e ideológica, que inclui, exclui e define quem pertence e quem não pertence à determinada coletividade”.

Na entrevista a seguir, concedida, por e-mail, Brand menciona os impactos que as fronteiras nacionais ocupadas por não-indigenas estão representando na vida social deste povo. De acordo com ele, os guarani “são postos à margem dos processos de desenvolvimento que se implantam em cada país, sendo considerados apenas enquanto eventual mão-de-obra e/ou estorvo a ser eliminado pelas mesmas frentes de expansão”. O processo histórico de redução territorial e confinamento tem gerado inúmeras mudanças no cotidiano dessas populações, transformando-as em “dependentes do fornecimento de cestas básicas e de toda a sorte de ajudas externas”.

Antonio Brand possui graduação em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos –
Unisinos, mestrado e doutorado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Sua tese intitula-se O impacto da perda da terra sobre a tradição Kaiowá/Guarani: os difíceis caminhos da Palavra. Atualmente é professor nos Programas de Mestrado e Doutorado em Educação e Desenvolvimento Local da Universidade Católica Dom Bosco, MS.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual é o impacto das fronteiras nacionais na história do povo guarani?

Antonio Brand - Inicialmente, a constituição dos Estados Nacionais, no início do século XIX, ou, a definição das fronteiras nacionais, que atravessaram o território guarani, não provocaram maiores consequências para os guarani, pois a efetiva ocupação da região por frentes não-indígenas é bem posterior. Quando falo em guarani, refiro-me aos diversos grupos reconhecidos pela antropologia, como guarani, em especial aos Mbya, Nandeva ou Ava, que no Brasil são os únicos que se reconhecem como guarani e os Kaiowá ou Pai-Tavyterã, no Paraguai. Vou utilizar, normalmente, o termo guarani para referir-me a todos eles ou então a autodenominação guarani para referir-me somente aos Ñandeva, que junto com os Kaiowá, estão presentes no Mato Grosso do Sul.

Tanto no Paraguai como no Brasil, instalam-se, no final do século XIX, no território guarani grandes empresas de exploração de recursos naturais (erva-mate e madeiras). Essas empresas não têm interesses diretos na propriedade das terras, mas nos recursos naturais. Por isso, as consequências dessa presença para os guarani são relativamente menores do que as frentes posteriores que se instalam no mesmo território indígena e que disputam com os guarani a posse da terra. Apesar da eventual exploração da mão-de-obra indígena e de contribuírem para o aumento de velhas e novas doenças, que causam grande impacto na população indígena (sarampo, varíola, tuberculose, entre outras), a presença dessas empresas é apontada por diversos pesquisadores como um fator de resguardo de grande parte deste mesmo território, por impedirem a instalação de colonos ou de projetos de colonização, que poriam em risco seu monopólio e, ainda, por não terem um “projeto civilizatório” explícito. Ao impedirem a instalação desse tipo de empreendimento acabam por contribuir para a preservação do território indígena. Por isso, as comunidades indígenas conseguem, nessa região de fronteira, manter relativa autonomia econômica e cultural, que vai, aproximadamente, no Brasil, até a década de 1950 e, no Paraguai, até a década de 1970. Na Argentina essa autonomia segue até mais recentemente, quando se intensifica o desmatamento do território indígena. É um período, também, em que os guarani desaparecem dos cenários nacionais.

Fronteiras impactam a vida guarani

No Paraguai, após a extinção do que ainda restava dos “pueblos de índios”, no governo de Carlos Antonio López, em 1848, o destino dos Guarani Caaguá (ou Monteses), que viviam na mata, passa a ser decidido no contexto restrito das frentes de expansão interna de cada país. São postos à margem dos processos de desenvolvimento que se implantam em cada país, sendo considerados apenas enquanto eventual mão-de-obra e/ou estorvo a ser eliminado pelas mesmas frentes de expansão.

É um período de grande violência, como atesta a documentação, consequência da omissão dos novos Estados, que na ocupação de seus espaços territoriais e na busca da integração econômica, especialmente no início do século XX, ignoram e se omitem ante os direitos indígenas a terra, apesar da incipiente legislação, que surge, lentamente, a partir do início do século XX, buscando garantir estes direitos. Cabe lembrar, no Brasil, a criação do Serviço de Proteção aos Índios - SPI, em 1910.

Portanto, no que se refere a essa questão das fronteiras e seu impacto sobre os guarani, cabem alguns destaques:

- O Tratado de Madrid, que define, basicamente, as fronteiras atuais, não traz imediatas consequências para os guarani. As fronteiras nacionais só começam a constituir-se em problema para eles na medida em que são ocupadas por não-indígenas. E, apesar das características comuns, apontadas acima, os processos de colonização são distintos em cada país, em especial no que se refere à intensidade e rapidez dessa ocupação. E, nesse sentido, no que se refere à fronteira Brasil/Paraguai, a ocupação se dá primeiro e de forma mais intensa no lado brasileiro, razão porque a situação de confinamento dos guarani nesse lado é mais radical do que nos demais países;

- Os guarani tem sido ignorados pelos governos e pelos programas de desenvolvimento econômico implantados nessas regiões. Muito recentemente, e na medida em que criam problemas para a ocupação territorial, é que os governos de cada país passam a ocupar-se deles. No Brasil, a partir de 1915, o SPI demarca reservas de terra para o usufruto dos guarani, localizados no atual Mato Grosso do Sul. No Paraguai, esse processo se dá na década de 1970 e na Argentina, creio que seja mais recente ainda. No entanto, na medida em que os governos definem suas políticas indigenistas, buscando atender distintas demandas e interesses econômicos, os guarani passam a enfrentar, também, problemas distintos em cada lado da fronteira.

IHU On-Line - Que grupos guarani vivem nas fronteiras dos países da América Latina? Quais as suas características?

Antonio Brand - Os guarani e populações falantes do idioma guarani, no século XVI, ocupavam um amplo território nas terras baixas da América do Sul, que ia desde o litoral de Santa Catarina, ao longo do Rio Paraguai, Paraná, Apa, Miranda e Pilcomayo, chegando até as franjas da cordilheira dos Andes.

Encontram-se, hoje, distribuídos pela Bolívia, Paraguai, Uruguai, Brasil e Argentina, sendo esse idioma, em suas diversas variedades dialetais, o único falado em todos esses países. Nesse sentido, podemos considerar a língua guarani como “língua histórica” do Mercosul.

Os guarani com os quais temos maior contato pertencem aos grupos linguísticos Ñandeva (os únicos que se autodenominam guarani), Kaiowá e Mbyá, que se encontram na região fronteiriça do Brasil com o Paraguai e a Argentina. Na Bolívia, Argentina e Paraguai encontramos, ainda, os Guarani-Chiriguano, que assumem, também, diversas denominações.

No ano passado, no âmbito de um projeto voltado para políticas públicas comuns aos guarani, no Mercosul, viabilizamos uma viagem para uma delegação de representantes guarani do Brasil, Paraguai e Argentina, que durante dez dias visitaram aldeias localizadas ao longo das fronteiras desses países.

Durante a viagem foi possível constatar que, para os guarani, as fronteiras nacionais seguem não fazendo qualquer sentido, embora percebam cada vez mais que dificultam a sua circulação transfronteiriça.
Eles têm parentes nos diversos países e seguem se visitando regularmente. Aliás, todos os participantes da viagem tratavam-se como parentes. Segundo Melià, os guarani seguem com noções e conceitos próprios de fronteira, uma ideia mais sociológica e ideológica, que inclui, exclui e define quem pertence e quem não pertence à determinada coletividade, estabelecendo os limites a partir dos quais eles não se sentem “a gosto”. O mesmo pesquisador, ao referir-se à concepção guarani de território, fala em “território de comunicação”, cheio de marcas, caminhos, casas, recursos naturais e acontecimentos (MELIÀ, 2007) .

Características

Os guarani, tradicionalmente, ocupavam seu amplo território, de acordo com a disponibilidade de locais com recursos naturais considerados apropriados – preferiam, por isso, estabelecer suas aldeias em áreas de mata e próximas a bons cursos de água. Além disso, teria que ser um local livre de ameaças sobrenaturais e de doenças – pesquisando a história recente dos guarani percebemos que diversas aldeias foram por eles abandonadas em decorrência de doenças - e próximo a parentelas aliadas.

Distribuíam-se em pequenos núcleos, constituídos por uma ou mais parentelas, sob a liderança dos ñanderu ou tekoaruvicha, líderes de caráter marcadamente religioso, cujo poder estava apoiado no prestígio decorrente de seu parentesco, capacidade de convencimento e generosidade e não na força ou habilidade física.

A identidade guarani remete, diretamente, para a ideia de pertencimento e para as relações de parentesco. Daí a importância da concepção de território como espaço de comunicação, com as suas marcas referidas e atualizadas pela memória. Por isso, as fronteiras nacionais são um problema para os guarani na medida em que dificultam essa comunicação.

IHU On-Line - Quais as implicações da perda de terra para as comunidades
kaiowá/guarani, em especial no que se refere à tradição desse povo que busca a terra sem males?

Antonio Brand - O processo histórico de redução territorial e confinamento no interior das pequenas extensões de terra reservadas aos guarani e kaiowá, no Brasil, gerou inúmeras mudanças no seu cotidiano, em especial, criou desafios novos para a sua organização social e é apontado por pesquisadores e representantes indígenas como causa de inúmeros problemas hoje vivenciados por essa população. O confinamento e a superpopulação no interior das reservas demarcadas reduziram o espaço disponível, provocando o esgotamento de recursos naturais importantes para a qualidade de vida numa aldeia kaiowá e guarani e dificultou a produção de alimentos. Transformou povos que, durante séculos, produziram alimentos não só suficientes, mas abundantes, como atesta a documentação histórica, dependentes do fornecimento de cestas básicas e de toda a sorte de ajudas externas. Povos que foram importante mão-de-obra e contribuíram na implantação de grande parte dos empreendimentos agro-pecuários e públicos, como ferrovia e estradas, em Mato Grosso do Sul, hoje não conseguem mais prover a sua subsistência e a de suas crianças.

Mas, além das consequências para a economia indígena, esse processo de confinamento criou problemas para a sua organização social. Como já afirmado acima, espalhavam-se em pequenos núcleos macrofamiliares, autônomos, sob a autoridade dos mais velhos, ñanderu ou tekoaruvicha. Quando a situação em determinado espaço, por diversas razões, se tornasse inadequada, buscavam outros espaços, dentro do mesmo grande território. Novas aldeias se constituíam. O processo de confinamento obrigou esses núcleos a buscarem abrigo nas reservas demarcadas pelo SPI, que, para administrar esses “ajuntamentos” de índios e aldeias, criou a figura dos capitães, líderes indígenas mais familiarizados com o modo de vida ocidental, nomeados, arbitrariamente, líderes máximos dentro das reservas. E, para ajudá-los a exercer o poder e a manter a ordem, sobre quem não tinham poder nenhum, foi criada, também, a polícia indígena. Na medida em que o território indígena tradicional foi sendo ocupado pelas diversas frentes de exploração, os grupos macro familiares foram sendo obrigados a se deslocar para dentro das reservas e, dessa forma, além de conviver e disputar lotes cada vez mais reduzidos com outros grupos macro familiares, tinham que submeter-se à autoridade de lideranças estranhas.

Durante muitos anos, em decorrência da forte presença repressiva do próprio SPI e depois da FUNAI, e, também, da persistência de “aldeias refúgio” nos fundos das fazendas, até a mecanização da atividade agrícola, na década de 1970, foi possível manter um relativo controle dentro das reservas indígenas.

O aumento, verificado nos últimos anos, da violência entre os próprios índios de uma mesma terra indígena, é, certamente, um indicativo importante para avaliar o grau de tensão e profundo mal estar dentro das terras indígenas. Essa violência é, inclusive, uma das causas para os deslocamentos de muitas famílias para a beira de estradas e/ou periferias urbanas, percebidas pelos índios como únicos espaços nos quais ainda é possível, embora em condições precárias, deslocar-se, ou desenvolver a prática do oguata (caminhar), em casos de conflitos e/ou tensões de diversas ordens. Outros indicativos desse mal estar são, certamente, os altos índices de suicídio e mesmo o alcoolismo e consumo de outras drogas, presentes em várias comunidades.

As crescentes dificuldades na viabilização e funcionamento das instâncias organizativas e mecanismos próprios de controle interno manifestam-se, também, nas reiteradas denúncias de violência contra mulheres, crianças e adolescentes. A mulher ocupava um lugar de grande prestigio no interior da sociedade guarani. Hoje, as mulheres guarani, em muitos casos, acabam isoladas e confinadas, em casas e quintais cada vez mais reduzidos e precários e, como consequência, mais dependentes dos homens e do dinheiro que estes trazem dos contratos nas usinas de produção de açúcar e álcool. Como educar seus filhos nesse contexto? Lembra a pesquisadora Paz Grünberg que a situação desses dois segmentos – mulheres e crianças - decorre e reflete a precarização das condições sócio/econômicas da mulher/mãe, que não encontra mais condições para desempenhar suas funções. Ao referir-se à desnutrição verificada entre os Kaiowá, Paz Grünberg reconhece que, em muitos casos, esta não é decorrente diretamente da falta de comida, mas conseqüência de outros problemas - um não sentir-se bem por parte da mãe .

IHU On-Line - Qual é a participação e a inserção dos guarani nos processos de
ocupação histórica de seu território? Em que sentido massacre e resistência marcam a trajetória desse povo?

Antonio Brand - Os guarani sempre se opuseram à entrega de seus territórios, mas foram, de certa forma, atropelados pela força, rapidez e violência desse processo. Resistiram em suas aldeias tradicionais enquanto puderam. Mas, sem o apoio de ninguém e tendo contra eles os próprios órgãos públicos, como o SPI e a FUNAI, criados, historicamente, para defendê-los, acabaram tendo que abrir mão de suas terras e transferir-se para os pequenos pedaços reservados pelo Estado para aí alojá-los. É importante destacar sempre que esse processo de confinamento dos guarani e kaiowá, no Mato Grosso do Sul, se deu ao total arrepio da lei e que a atuação do SPI e da FUNAI foi, sob esse aspecto, totalmente ilegal porque a Constituição de 1934 já reconhecia o direito dos índios às terras que ocupavam. E na década de 1970 encontramos, ainda, a FUNAI, obrigando esses índios a abandonarem suas terras. É importante destacar esse aspecto legal ou ilegal que marcou o confinamento dos guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul porque hoje utiliza-se contra os índios o fato de não estarem mais nessas terras, em 1988, ano em que é promulgada a nova Constituição. Como poderiam estar nessas terras se de lá foram retirados compulsoriamente e muitas vezes pelos próprios órgãos públicos que deviam protegê-los?

A partir do final da década de 1970, os guarani começam a contar com o apoio em suas demandas por terra de setores da Igreja, através do Conselho Indigenista Missionário - CIMI, e da sociedade civil, através de ONGs. Verifica-se, na região, a partir de 1980, um movimento ambivalente. Ao mesmo tempo em que ocorre a radicalização do confinamento e o simultâneo crescimento da taxa de suicídios, verifica-se, também, o inicio da quebra desse mesmo processo histórico de confinamento, mediante o reconhecimento legal de terras como sendo de ocupação indígena fora das oito reservas demarcadas pelo SPI. Retomam, a partir de 1980, um total de 11 terras tradicionais, que somam 22.450 ha, hoje já devidamente demarcadas e de posse dos índios. É importante lembrar que o total de terras demarcadas pelo SPI, até 1928, somava 18.240 ha. Diversas outras terras indígenas, que somam, aproximadamente, 65 mil hectares, seguem em processo de identificação, ou já estão identificadas, estando os índios, em alguns casos, ocupando pequenas parcelas da terra pretendida. Cabe lembrar que, em 2007, por pressão dos índios, foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta - TAC entre a FUNAI, o Ministério Público Federal e as lideranças indígenas, pelo qual a primeira faria, num prazo determinado, a identificação de mais 32 terras indígenas para usufruto dos kaiowá e guarani.

IHU On-Line - Que contribuição os estudos sobre a história guarani (enfrentamentos históricos com colonizadores) trazem para o processo de formação dos guarani de hoje? Isso tem contribuído para um desenraizamento da cultura guarani ou para um engajamento?

Antonio Brand - É importante destacar que junto com a perda do território instalam-se nas comunidades guarani escolas e igrejas evangélicas, todas preocupadas em “ajudar os índios” a sobreviverem em um cenário no qual o seu modo de vida e seus saberes historicamente acumulados tornaram-se supérfluos e “imprestáveis”. Parte significativa dos professores indígenas kaiowá e guarani que hoje lecionam para suas comunidades, estudou em escolas fora de suas aldeias e são filhos de pais integrantes de igrejas evangélicas, sendo eles mesmos ativos participantes dessas igrejas. O modo de vida tradicional dos kaiowá e guarani, sob a ótica do entorno regional, era e é, certamente, não apenas coisa do passado, mas entendido como um empecilho para o seu desenvolvimento.

No entanto, a percepção de parte significativa desses professores - muitos deles buscaram um espaço no entorno, abandonando a vida na aldeia - é que, apesar do estudo, eles não conseguiram e não conseguem superar o preconceito que pesa contra eles pelo fato de serem índios. Ao assumirem as funções como professores nas escolas que atendem as suas comunidades de origem, confrontam-se com um processo novo e desafiador, em curso. O novo texto constitucional de 1988, ao afirmar o direito à diferença e definir o papel do Estado não mais como agente promotor da integração dos índios, mas sim de protetor da diferença, impõe a revisão do sistema educacional no interior das áreas indígenas. De uma escola preocupada em “preparar” a criança indígena para viver fora de sua comunidade, emerge o desafio de uma escola voltada para dentro, ou seja, para a construção de alternativas de futuro a partir e na comunidade. E este desafio põe os professores índios diante de um problema complexo.

O desafio indígena

Cabe destacar que os programas de formação de professores Kaiowá e Guarani, que completam dez anos, deram grande ênfase no estudo e na revisão crítica da história regional, valorizando, especialmente, a memória dos mais velhos. E, este estudo, junto com a abordagem antropológica sobre dinâmica cultural, provocou enorme interesse nos professores indígenas. Perceberam que a história de seus antepassados e a sua história constituíam um recurso poderoso para questionar a “história oficial” regional, em especial, o processo de colonização, no qual perderam suas terras, que passaram, em muitos casos, pela força, para outras mãos. Embora a região sul do estado de Mato Grosso do Sul fosse uma região densamente ocupada por populações indígenas, estas não podiam ser admitidas pelo governo, pelos colonizadores e pelos historiadores como entes de direito, como seres inteligentes ou como sociedades organizadas e aqui já estabelecidas.

O desafio de pensar uma escola indígena leva-os a perceber o seu passado enquanto continuidade a ser reconstruída, buscando repensar, a partir dos desafios do presente as experiências do passado. Percebe-se claramente a alegria e o potencial de luta que emerge do reencontro e da re-leitura de sua história, que contesta leituras sedimentadas por uma determinada historiografia regional, alinhada ao lado dos colonizadores. Os professores visualizam novas perspectivas de futuro para suas comunidades e passam a ter mais clareza sobre o papel político da escola na construção deste futuro.

Finalizando, podemos afirmar que os kaiowá e guarani vêm atravessando um momento importante de sua história. A par do agravamento dos conflitos em torno da posse das terras e da persistência dos preconceitos e estereótipos, constantemente reafirmados pela imprensa regional, da violência e dos muitos outros problemas, os guarani vêm demonstrando extraordinária capacidade de enfrentamento dessas questões. Preocupados em se capacitar melhor, estão batendo às portas das universidades, buscam acesso a tecnologias, em especial a novas mídias, organizam-se melhor e reafirmam sua identidade guarani, confirmando a grande dinamicidade de sua cultura.

domingo, 30 de maio de 2010

Brasil se torna o principal destino de agrotóxicos banidos no exterior


Brasil se torna o principal destino de agrotóxicos banidos no exterior
Por racismoambiental, 30/05/2010 10:44
Campeão mundial de uso de agrotóxicos, o Brasil se tornou nos últimos anos o principal destino de produtos banidos em outros países. Nas lavouras brasileiras são usados pelo menos dez produtos proscritos na União Europeia (UE), Estados Unidos e um deles até no Paraguai.
A reportagem é de Lígia Formenti e publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 30-05-2010. A informação é da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com base em dados das Nações Unidas (ONU) e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.

Apesar de prevista na legislação, o governo não leva adiante com rapidez a reavaliação desses produtos, etapa indispensável para restringir o uso ou retirá-los do mercado. Desde que, em 2000, foi criado na Anvisa o sistema de avaliação, quatro substâncias foram banidas. Em 2008, nova lista de reavaliação foi feita, mas, por divergências no governo, pressões políticas e ações na Justiça, pouco se avançou.

Até agora, dos 14 produtos que deveriam ser submetidos à avaliação, só houve uma decisão: a cihexatina, empregada na citrocultura, será banida a partir de 2011. Até lá, seu uso é permitido só no Estado de São Paulo.
Da lista de 2008, três produtos aguardam análise de comissão tripartite – formada pelo Istituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Ministério da Agricultura (Mapa) e Anvisa – para serem proibidos: acefato, metamidofós e endossulfam. Um item, o triclorfom, teve o pedido de cancelamento feito pelo produtor. Outro produto, o fosmete, terá o registro mantido, mas mediante restrições e cuidados adicionais.

Enquanto as decisões são proteladas, o uso de agrotóxicos sob suspeita de afetar a saúde aumenta. Um exemplo é o endossulfam, associado a problemas endócrinos. Dados da Secretaria de Comércio Exterior mostram que o País importou 1,84 mil tonelada do produto em 2008. Ano passado, saltou para 2,37 mil t.
“Estamos consumindo o lixo que outras nações rejeitam”, resume a coordenadora do Sistema Nacional de Informação Tóxico-Farmacológicas da Fundação Oswaldo Cruz, Rosany Bochner. Proibido na UE, China, Índia e no Paraguai, o metamidofós segue caminho semelhante.

O pesquisador da Fiocruz Marcelo Firpo lembra que esse padrão não é inédito. “Assistimos a fenômeno semelhante com o amianto. Com a redução do mercado internacional, os produtores aumentaram a pressão para aumentar as vendas no Brasil.” As táticas usadas são várias. “Pagamos por isso um preço invisível, que é o aumento do custo na área de saúde”, completa.

O coordenador-geral de Agrotóxicos e Afins do Mapa, Luís Rangel, admite que produtos banidos em outros países e candidatos à revisão no Brasil têm aumento anormal de consumo entre produtores daqui. Para tentar contê-lo, deve ser editada uma instrução normativa fixando teto para importação de agrotóxicos sob suspeita. O limite seria criado segundo a média de consumo dos últimos anos. Exceções seriam analisadas caso a caso.

A lentidão na apreciação da lista começou com ações na Justiça, movidas pelas empresas de agrotóxicos e pelo sindicato das indústrias. Em uma delas, foram incluídos documentos em que o próprio Mapa posicionou-se contrariamente à restrição. Só depois que liminares foram suspensas, em 2009, as análises continuaram.

Empresas

Representantes das indústrias criticam o formato da reavaliação. O setor diz não haver critérios para a escolha dos produtos incluídos na lista. E criticam a Anvisa por falta de transparência. Para as indústrias, o material da Anvisa não traz informações técnicas.

A Associação Nacional de Defesa Vegetal critica as listas de riscos ligados ao uso de produtos, muitas vezes baseadas em estudos feitos em laboratório. “Não há como fazer estudos de risco em população expressiva. A cada dia, mais países baseiam suas decisões em estudos feitos em laboratórios”, rebate o gerente-geral de Toxicologia da Anvisa, Luiz Cláudio Meireles.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=32946

Lutas Cosmopolíticas: Marx e os Yanomani


Lutas Cosmopolíticas: Marx e os Yanomani
Por racismoambiental, 30/05/2010 10:10
“A questão do universal e das lutas, o diálogo proposto nos coloca frente a uma espinhosa questão em aberto – é possível um mundo comum?”, pergunta Jean Tible, assessor da Secretaria de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores, em artigo publicado na Revista Global, no. 12, maio de 2010. Eis o artigo.
Encontro

Qual o sentido de propor um encontro entre Marx e as lutas yanomami, entre mundos distintos?

O marxismo sempre pretendeu alcançar uma universalidade, ancorada pelo desenvolvimento e expansão do capitalismo. Entretanto, se pensarmos Marx a partir das lutas, o universal passa a não ser mais dado, mas sim a construir. Para utilizar a potência de Marx, deve-se conectá-lo com uma série de lutas concretas. Um Marx, pensador revolucionário, afetado pelas lutas-criações yanomami.

Esta proposta de encontro, de levar a sério estas lutas (e seu diálogo com Marx), nos leva a questionar as distinções natureza/cultura, nós/eles e a pensá-las não somente em termos políticos, mas cosmopolíticos (Stengers).
Contra a forma-Estado

Os coletivos yanomami ignoram o Estado e aproximam-se da famosa tese de Pierre Clastres das sociedades contra o Estado. Clastres afirma que as sociedades indígenas rejeitam a visão convencional do político – regida pela relação comando-obediência – e sua clivagem selvagens/civilizados de acordo com a existência ou não de um Estado. A constituição política dessas sociedades centra-se na recusa ativa do Estado. Tal resolução sutil da questão política é trabalhada posteriormente na formulação de que guerras permanentes e a continuada criação e destruição de alianças entre os diversos coletivos são o que lhes permite manter-se contra a coerção estatal – coletivos fragmentados para a guerra e contra o Estado. A fragmentação é a finalidade da guerra, e não o contrário.

Tal elaboração política coloca interessantes conexões com as de Marx; tanto sua crítica filosófica a Hegel, quanto suas análises da Comuna de Paris ou do Programa de Gotha. Sua crítica da argumentação hegeliana do Estado como representação da resolução da relação entre universal e particular leva-o a colocar o povo (e depois, os trabalhadores) como poder constituinte e a definir a verdadeira democracia no desaparecimento do Estado. Isto ganharia configuração concreta – “a forma enfim encontrada” nas suas palavras – na Comuna de Paris. Pode-se dizer, com as posteriores e ininterruptas revoltas e organizações criadas após e a partir desta experiência “inaugural” dos conselhos, que existe em Marx e, sobretudo, nas práticas concretas e criativas desses sujeitos sociais uma forma-conselho – práticas contra o Estado. Se estes sujeitos foram historicamente operários, hoje assumem múltiplas formas, como, para citar um exemplo contemporâneo, as organizações de bairro (comunais) em El Alto, Bolívia.

Existe, ainda, um interessante elo com a proposta que fizeram os yanomami no momento em que ocorria um processo de municipalização na Venezuela (Alès). Os yanomami apresentaram uma proposta segundo a qual cada setor, comunidade ou grupo de vizinhança nomearia seus próprios delegados. Todos esses delegados se reuniriam num Conselho, com representação proporcional. Tal Conselho não teria um prefeito, nem coordenador permanente, mas sim coordenadores rotativos, exemplificando a tese clastreana da precariedade do poder do chefe. Tampouco haveria uma capital administrativa permanente, sendo esta itinerante.

Tal proposta acabou não sendo adotada (optou-se pelo modelo “ocidental” democrático), mas o importante – no âmbito dessa breve reflexão – é como, em outra conjuntura histórica, continua o ímpeto dos yanomami contra o Estado e a centralização. Ademais, existem interessantes paralelos de tais propostas com medidas da Comuna de Paris, celebradas por Marx, como a permanente revogabilidade dos mandatos e formas de democracia conselhista, forma-conselho.

Discurso cosmopolítico de Davi Kopenawa

Outro exemplo das lutas-criações yanomami encontra-se no discurso cosmopolítico de Davi Kopenawa. Davi opõe um modo de pensar (e viver) yanomami ao dos brancos: um se fundamenta na visão xamânica, que permite ver a imagem essencial utupë, o sopro wixia e o princípio de fertilidade në rope da floresta; o outro limita-se a um pensamento “plantado nas mercadorias” (Kopenawa). O objetivo de sua cosmopolítica é, dessa forma, o de denunciar o pensamento-prática, a ignorância dos “comedores da terra-floresta”. Desenvolve, assim, “uma forma de crítica xamânica do fascínio letal daquilo que Marx designou como o ‘deus das mercadorias’” (Albert).

A força do discurso de Davi decorre de uma articulação entre coordenadas cosmológicas de acordo com o xamanismo yanomami e os quadros discursivos impostos pelo Estado e o capitalismo. A isso é contraposto um discurso cosmopolítico – a partir da floresta, entidade viva e animada.

Lutas criando o comum

Tais afinidades entre Marx e as lutas cosmopolíticas yanomami permitem vislumbrar – pois é algo a aprofundar – o potencial político do encontro proposto.

O diálogo parece, assim, afirmar um discurso-ação de multiplicidades, num movimento contra as idéias-práticas de representação e transcendência do Estado e do capital. Segundo Viveiros de Castro, os espíritos (xapiripë) são imagens não representacionais, inumeráveis – sua intensidade luminosa indicando uma diferença intensiva e absoluta. Torna-se necessário, assim, “trocar a metafísica molar e solar do ‘Um’ neoplatônica pela metafísica da multiplicidade lunar e molecular indígena”.

O encontro opera no sentido de uma libertação da multiplicidade, das singularidades do poder constituinte, da democracia contra o Estado. E desenvolve-se nas convergências de lutas contra o Um que criam o comum.

Marx pensou o capitalismo em sua articulação entre a expropriação colonial mundo afora e as cercas (enclosures) e sua apropriação das terras comunais (dos commons) na Inglaterra. Existe assim um processo contínuo – e não apenas inicial – de acumulação primitiva, uma ininterrupta expropriação dos bens comuns (terras, água, sementes e, sobretudo, lutas-criações coletivas), numa permanente instituição de novos espaços de propriedade privada.

Davi Kopenawa mobiliza igualmente tal imagem-prática do comum quando fala da criação contínua de elos comuns e cosmológicos com a terra-floresta. Nesse sentido, pode-se opor à apropriação privada, a força da inteligência coletiva – presentes nos mitos yanomami e nas experiências da forma-conselho – e sua criação do comum.

Se o objetivo de alguns marxistas latino-americanos (como Anibal Quijano e Edgardo Lander) é o de livrar o marxismo do eurocentrismo, deve-se partir dos sujeitos que contra este lutam desde séculos – continuando com a perspectiva de pensar a partir da criatividade das lutas.

Retomando a questão inicial do universal e das lutas, o diálogo proposto nos coloca, porém, frente a uma espinhosa questão em aberto – é possível um mundo comum? O primeiro passo para isso seria reconhecer que hoje existem muitos mundos (Latour). Assim, algo universal teria que não ser tomado como dado, mas sim a construir – o comum. A construir a partir das lutas, das conexões entre as múltiplas lutas.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=32923

Reis e vassalos. Racismo à brasileira


Reis e vassalos. Racismo à brasileira
Por racismoambiental, 30/05/2010 10:53
Um dirigente negro foi punido por ofender um juiz negro, chamando-o de “negro preto”. A ofensa redundante causou multa de R$ 10 mil e cassação do mando de campo do Fluminense de Feira de Santana, na Bahia, em punições da Justiça Desportiva, mas não originou um processo judicial.
A reportagem é de Plínio Fraga e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 30-05-2010.

“Achei que não devia levar adiante”, afirma o juiz Jaílson Macedo de Freitas, 39. Em atividade no Campeonato Brasileiro deste ano, Jaílson reconhece que na Bahia é comum ouvir e falar expressões como “Qualé, negão?” para cumprimentar ou se referir carinhosamente a alguém como “pretinho” ou “neguinho”. Mas não teve dúvidas em relatar na súmula que o dirigente do Fluminense de Feira de Santana, negro como grande parte da Bahia, chamou-o de “negro preto” ao reclamar de sua arbitragem em partida de 2008.

“Ele teve intenção de ofender”, diz Jaílson. Sobre o porquê de não ir à Justiça, é seco: “Preferi me preservar. Podia ficar marcado”.

Somente 1 em cada 5 baianos se declara branco, fazendo da Bahia o Estado com o maior contingente de autodeclarados negros do país. É a terra natal de Gleidionor Figueiredo Pinto Junior, 23, conhecido como Junior Negrão, atacante que joga hoje no Figueirense, o clube mais tradicional de Santa Catarina, Estado em que, em cada 10 habitantes, somente 1 se declara não branco.
“Posso falar pouco disso. Nunca sofri nenhum tipo de preconceito racial. Isso é coisa do passado para quem tem a cabeça muito pequena em pleno século XXI. Na Bahia, é maior o costume de ver negros. Mas aqui nunca vi nenhum tipo de racismo. Santa Catarina é o Estado que mais tem branco, mas recebe bem os negros”, declara Junior.

“O EMOCIONAL”

Na obra clássica “O Negro no Futebol Brasileiro” (ed. Mauad), cuja primeira edição é de 1941, o jornalista Mario Filho (1908-66) relata uma frase que ouviu de Róbson, então jogador do Fluminense, para demonstrar um processo de embranqueci mento na ascensão social dos atletas: “Eu já fui preto e sei o que é isso”.

Quase 70 anos depois do lançamento do livro de Mario Filho, jogadores de futebol relatam uma suposta paz racial em campo, limitando às arquibancadas as expressões racistas.

“O torcedor às vezes xinga. Atrapalha, temos nossa vida pessoal. Chamar de preto, de macaco acaba atingindo o emocional da pessoa”, declara Edson Santos Reis, 20, atacante do Vitória da Bahia.

Mas o dia a dia do esporte ainda acolhe queixas graves. No mês passado, em jogo pela Copa do Brasil entre Palmeiras e Atlético-PR, o zagueiro Manoel, do time paranaense, acusou o também zagueiro Danilo, do clube paulista, de chamá-lo de “macaco” em partida disputada no Parque Antarctica.

“O Danilo cuspiu em mim e me chamou de macaco. Ser chamado de macaco é a pior coisa que tem”, disse o jogador do Atlético, que pisou no rival durante o segundo tempo da partida como forma de revidar. “Realmente pisei nele, porque estava muito chateado, e faria novamente. Confesso que pisei porque ele me chamou de macaco.”

Manoel prestou queixa em uma delegacia da capital paulista.

Em jogo de 2005 entre Juventude e Internacional pelo Campeonato Brasileiro, a cada vez que o volante Tinga, então no time colorado, pegava na bola, a torcida imitava um macaco.

A ação racista foi tão estridente que o jogo chegou a ser paralisado para que dirigentes do Juventude (Caxias do Sul) pedissem respeito à torcida. O clube foi multado em R$ 200 mil e perdeu o mando de campo por dois jogos.

O atacante Grafite, da seleção brasileira, protagonizou outro episódio de racismo em joga da Libertadores. Desábato, então jogador do argentino Quilmes, foi preso sob acusação de chamar Grafite de “macaco”.Em um jogo da seleção brasileira em São Paulo, o atacante voltou a ser alvo de preconceito. Torcedores brasileiros jogaram uma banana em campo com a inscrição: “Grafite macaco”.

No ano passado, em partida entre Cruzeiro e Grêmio, outra vez pela Libertadores, Elicarlos acusou o argentino Maxi López , que também foi levado para a delegacia, de tê-lo chamado de macaco.

“Uma coisa é a revolta da torcida, outra é a ofensa vir de algum outro jogador adversário. Nunca senti nenhum tipo de preconceito, mas a lei diz que é crime inafiançável. Sou a favor de ir à polícia”, diz Júnior Negrão.

O jogador conta que jogava em Manaus, em time que contava com outros dois jogadores chamados de Júnior. “Como eu era o mais escuro, virei Negrão. Mas, na Bahia, sou mais para moreno do que para negro”, relativiza ele. “Mas não me incomodo não.”

Entre os 70 jogadores atuais dos dois principais clubes baianos, Vitória e Bahia, a grande maioria é de morenos, mulatos e negros. O único loiro, o centroavante Júnior, do Vitória, pinta os cabelos.

No elenco dos dois principais clubes catarinenses, Avaí e Figueirense, aparecem brancos, louros, mas muitos morenos, mulatos e negros – apesar de a maioria destes últimos terem como origem outros Estados, em razão da peregrinação profissional própria da categoria.

DIFÍCIL DE COMBATER

Ex-jogador do Belenenses de Portugal, Júnior afirma que brasileiros em geral -não especificamente só negros- enfrentam mais problemas de discriminação em território europeu. “Se falar que é brasileiro no supermercado ou no banco, o tratamento não é igual não.”

O juiz Jaílson Macedo de Freitas afirma que, de modo geral, os “boleiros” o respeitam. “Em campo, jogador me chama de “professor”, “mestre”, “chefe”. Não me sinto discriminado não.”

Pelo último censo da Fifa, o Brasil tem 13,2 milhões de praticantes de futebol, sendo 2,14 milhões de atletas registrados. Não há uma contabilização por cor da pele. A CBF estima que o futebol movimente R$ 32 bilhões e alarga para 30 milhões o total de praticantes do esporte.

Entre os mais de 15 mil profissionais, 60% ganham até um salário mínimo e apenas 4% ganham mais de 20 salários mínimos.

Para o pesquisador Victor Andrade de Melo, coordenador do Laboratório de História do Esporte e Lazer da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o esporte é uma forma de ascensão social.

“Assim, os negros ascendem socialmente pelo esporte. O futebol não está além da sociedade, não está imune ao preconceito racial. Pode ser obliterado pelo racismo à brasileira, uma crença de que a miscigenação impede o racismo, o que na realidade só o deixa mais difícil de ser combatido”, declara.

O pesquisador questiona por que são raros os dirigentes negros no futebol. “Não é uma coincidência”, aponta, lembrando que os cartolas têm sua origem nas elites sociais e econômicas. “Todo torcedor xinga o juiz. Mas será que o torcedor xinga o juiz negro da mesma forma que o juiz branco?”, questiona.

Alguém já ouviu no estádio um torcedor gritar: “Juiz branco filho da ...” ou “Seu branco safado”?

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ES denuncia impactos do eucalipto


ES denuncia impactos do eucalipto. Relatório será será apresentado nesta terça-feira
Por racismoambiental, 28/05/2010 16:23
Os impactos da larga escala dos plantios de eucalipto nos municípios de São Mateus e Conceição da Barra (ES), que atingem comunidades tradicionais no norte do Estado, serão apresentados nesta quinta-feira (27), na Assembléia Legislativa. A denúncia está sendo feita pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH-ES) e objetiva transformar o estudo em pressuposto para avaliação de implementação dessas propostas em estados e municípios.
O relatório, constante do Estudo e Relatório de Impacto sobre Direitos Humanos em Grandes Projetos (EIDH/RIDH), estudou, em especial, o caso do monocultivo de eucalipto em larga escala no norte do Estado – projeto agroindustrial da ex-Aracruz Celulose (Fibria) e as comunidades quilombolas do Sapê do Norte.

O EIDH/RIDH propõe discutir aspectos para além dos que integram o rol do relatório ambiental, investigando questões relacionadas aos direitos humanos no seu conjunto. Uma pesquisa em âmbito nacional sobre o tema também foi realizada.
Segundo o MNDH-ES, o estudo incluiu ainda pesquisas e diálogos com redes sociais nos estados de Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Esse material servirá de subsídio na apresentação de argumentos para o Ministério da Justiça, com o objetivo de demonstrar a importância e a urgência da instituição desse novo instrumento como um dos pressupostos para avaliar a implantação de grandes projetos no Brasil.

Segundo o relatório, movidos por interesses transnacionais, os Estados do Brasil, em especial Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul, são assediados por estes empreendimentos. O relatório reafirma a invasão da ex-Aracruz Celulose (Fibria) nas terras indígenas e quilombolas do norte do Estado.

O estudo foi realizado pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH-ES) e Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra/Espírito Santo (CDDH/ES) e tem o apoio do deputado Claudio Vereza (PT).

Fonte: Jornal Século Diário. Adaptado por Celulose Online

MA: Índio Ka’apor é barbaramente assassinado no Centro do Guilherme! A vingança dos madeireros demora, mas não falha!


MA: Índio Ka’apor é barbaramente assassinado no Centro do Guilherme! A vingança dos madeireros demora, mas não falha!
Por racismoambiental, 29/05/2010 06:01

Chegou, ontem, a São Luis uma comissão de quatro índios Ka’apor de diferentes aldeias da Terra Indígena Alto Turiaçu para denunciar o brutal assassinato de Hubinet Ka’apor na cidade de Centro do Guilherme, MA. Ao relatar os fatos ao Procurador da República no Maranhão e ao delegado da Polícia Federal, o cacique Valdemar Ka’apor esclareceu que no dia 16 de maio o jovem Hubinet da aldeia Axiguirenda foi barbaramente assassinado a pauladas por vários moradores do Centro do Guilherme.
O índio que havia ido à cidade para fazer compras, ao passar em frente de um bar despertou a raiva e o ódio de alguns freqüentadores que em evidente estado de embriaguez passaram a agredi-lo sem motivo evidente. Em poucos instantes a horda desferrava pauladas raivosas e fatais contra o jovem deformando o seu rosto e deixando-o inerme. Ninguém na cidade tomou providências para deter os responsáveis desse crime hediondo.

O bárbaro assassinato deve ser entendido dentro do clima de tensão e conflito existente na área. Um número sempre maior de madeireiros e plantadores de maconha da cidade de Centro de Guilherme quer usufruir sistematicamente da terra indígena para seus fins torpes.
Cerca de 4 anos atrás um madeireiro da cidade invadiu a terra indígena para roubar madeira nobre, mas ao ser flagrado por um grupo de Ka’apor tentou reagir violentamente agredindo-os com uma moto-serra. A resposta dos índios foi imediata e fatal. A cidade inteira ficou revoltada com a reação, jurando vingança. A raiva, entretanto, deve ser entendida não somente por causa da morte do invasor, mas pelo fato que os Ka’apor não aceitavam negociar a venda da madeira. Tudo leva a crer que o jovem Hubinet foi o alvo escolhido, – embora de forma aleatória, – da vontade reprimida de vingança daqueles moradores.

Aguarda-se que a Polícia Federal instaure inquérito formal que leve a identificar os autores do homicídio e à sua captura. As outras medidas que já deviam ter sido tomadas há muito tempo na região, consistem numa imediata e radical execução de políticas duras de fiscalização e intervenção para reprimir o tráfico de maconha e de comércio ilegal de madeira. Hoje, o Centro do Guilherme virou mais uma nova Buriticupu, ’sem lei e sem…rei’!

Por: Claudio Maranhão

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Os Guarani. O contínuo caminhar de um povo. Entrevista especial com Roberto Antonio Liebgott e Iara Tatiana Bonin


Os Guarani. O contínuo caminhar de um povo. Entrevista especial com Roberto Antonio Liebgott e Iara Tatiana Bonin
Por racismoambiental, 29/05/2010 11:05

Unisinos - Para os índios guarani, não há distinção entre vida natural e sobrenatural. Por isso, explicam Roberto Antonio Liebgott e Iara Tatiana Bonin, os acontecimentos cotidianos têm, além de uma base objetiva, um viés subjetivo
“O povo guarani se considera eleito, mas precisa viver em um mundo imperfeito. Cada pessoa precisa aprender a conviver e a estabelecer um equilíbrio entre duas naturezas que a constituem – a humana e a divina. É esta ambivalência que constitui o desafio da vida humana, e que impele o guarani a superar sua natureza finita e buscar a perfeição que lhe aproxima da condição divina. Aprender a conviver e a conhecer os outros seres que habitam os limites do seu território é uma das estratégias deste povo. Talvez, por isso, suas atitudes não sejam propriamente de conflito e de enfrentamento aberto, mesmo quando há invasões em suas terras”. É assim que Roberto Antonio Liebgott, vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário – Cimi/RS e sua esposa, Iara Tatiana Bonin, doutora em Educação e professora da Universidade Luterana do Brasil – Ulbra, definem o povo guarani.

Na entrevista que segue, concedida, por e-mail, para a IHU On-Line, eles enfatizam que a marca distinta dos guarani “é a sua mobilidade”. Nesse sentido, “a vida guarani pode ser pensada como um ‘contínuo caminhar’”. Segundo eles, tal estilo de vida caracterizado pela mobilidade colabora para “a produção de saberes, para a circulação maior de bens, de sementes, de ervas medicinais, e ainda proporciona às pessoas o desenvolvimento de certas capacidades que são consideradas importantes para assegurar o bem viver”.
Iara Tatiana Bonin é graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, mestre em Educação pela Universidade de Brasília – UnB. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, realizou o doutorado também em Educação. Por sete anos, atuou no Conselho Indígena de Roraima; e, por onze, no Conselho Indigenista Missionário – CIMI.

Roberto Antonio Liebgott é vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário – Cimi/RS e acompanha , há muitos anos, a luta e a trajetória do povo guarani no RS. Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quem são os guarani? Quantos subgrupos fazem parte desta etnia indígena e quais suas características?

Roberto Antonio Liebgott e Iara Tatiana Bonin – O povo Guarani era, de acordo com muitos relatos históricos, constituído por mais de quatro milhões de pessoas. Ocupava especialmente a região de mata úmida dos Rios da Bacia Platina, tendo chegado até a Bacia Amazônica.

Este povo, também denominado Awá (termo que, em português, significa gente) é parte do grande tronco linguístico Tupi, e pertencente à família Guarani. São hoje mais de 280 mil pessoas, subdivididas em grupos (parcialidades), assim definidos: Kaiowá (também referidos na literatura acadêmica como Kaiová, Kayová ou Paï-Tavyterã), Nhandeva (referidos ainda como Xiripá e Ava Katu Ete), os Mbyá e ainda Guaraios (Bolívia). As comunidades estão distribuídas em mais de 400 aldeias em quatro países da América do Sul. Seu território tradicional atualmente se estende sobre grande parte do Brasil, principalmente no sul, ao norte da Argentina, oeste da Bolívia e em todo o Paraguai. Há mais de quatro milhões de falantes de guarani e, no Paraguai, ela se tornou uma das línguas oficiais.

Entre as parcialidades do povo guarani, existem diferenças importantes, relativas aos costumes, expressões linguísticas, rituais, estilos de pensar e de viver. No entanto, pode-se dizer que existem unidades agregadoras, a partir das quais eles se articulam (sem, contudo, se confundir) e mantém intensa intercomunicação. Dentro de uma mesma parcialidade também há distinções – que tem a ver com idade, gênero, lugar social, local de moradia, entre outros aspectos.

Tudo isso nos leva a reconhecer, mais uma vez, a pluralidade de maneiras de viver, que decorre das múltiplas histórias vividas por estes grupos e das relações que vão estabelecendo entre si e com os demais. Não há, portanto, um único e definitivo “jeito de ser guarani” e não seria possível “traduzir” seu estilo de pensar e de viver em poucas palavras. É necessário considerar as específicas e variadas situações em que eles vivem, as mudanças que se processam em suas práticas cotidianas, como efeito de muitos fatores, as alternativas que eles vão construindo para continuar vivendo em coletividades, no dinamismo de suas experiências riquíssimas de vida.

Guarani na América Latina

Em termos de localização, de modo geral, os Kaiowá vivem hoje em pequenas parcelas de seu território tradicional, em Mato Grosso do Sul, com uma população (no Brasil) superior a 40 mil pessoas. Os Nhandeva vivem no Sul do Brasil, Paraguai e Argentina, enquanto que os Mbya, que são em maior número, vivem na Argentina, Paraguai e Brasil, concentrando-se, de modo especial, no Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (há um grupo familiar que vive hoje no estado do Pará). Os Mbya são conhecidos pela grande mobilidade, que corresponde a uma forma de percepção e de ocupação do território, mas também representa um estilo de relação constituído entre as pessoas que habitam esses lugares.

IHU On-Line – Que aspectos culturais são próprios da tradição guarani? O que vocês destacam na história deste povo, desde a sua origem?

Roberto Antonio Liebgott e Iara Tatiana Bonin – Podemos destacar dois aspectos importantes da cultura guarani. O primeiro diz respeito à dimensão sagrada, que está presente no cotidiano da vida destes grupos. Esta é uma questão complexa, não sendo possível resumir sua cosmologia (amplamente descrita por Curt Nimuendajú, Bartomeu Meliá, Peirre Clastres, Graciela Chamorro, entre outros pesquisadores) em poucas palavras. No entanto, uma consideração importante pode ser feita nesta direção: para os guarani, não há uma distinção absoluta, ou uma linha divisória que separa aspectos da vida natural e sobrenatural. Assim, as ações cotidianas são marcadas por certa ritualidade, as explicações para os acontecimentos têm uma base objetiva e também subjetiva, as razões para algumas práticas e condutas são de ordem material e também espiritual.

De acordo com muitos pesquisadores, que tem realizado estudos acadêmicos em diferentes épocas, o povo guarani se considera eleito, mas precisa viver em um mundo imperfeito. Cada pessoa precisa aprender a conviver e a estabelecer um equilíbrio entre duas naturezas que a constituem – a humana e a divina. É esta ambivalência que constitui o desafio da vida humana, e que impele o guarani a superar sua natureza finita e buscar a perfeição que lhe aproxima da condição divina. Aprender a conviver e a conhecer os outros seres que habitam os limites do seu território é uma das estratégias deste povo. Talvez, por isso, suas atitudes não sejam propriamente de conflito e de enfrentamento aberto, mesmo quando há invasões em suas terras.

Em uma comunidade guarani é indispensável à existência de uma casa de reza, a Opy. Nela se estreitam os vínculos com o Sagrado, se realizam os rituais mais importantes, se estabelecem as condições para se ter saúde, se realizam os processos de nomeação e de cura. E nos rituais sempre está presente o cachimbo – petynguá, com o qual fazem uma espécie de defumação, que possibilita a purificação, em alguns casos, e permite a transformação de um certo objeto comum, em objeto guarani. Também nos rituais se observa o uso do bastão de taquara – o taquapy – da flauta, do violão, da rabeca, do maracá, que são alguns dos instrumentos que elevam o canto e dão força comunicativa aos rituais. Tudo isso é parte indispensável para o bem viver, na concepção Guarani.

O valor da palavra

Um segundo aspecto diz respeito à palavra, que para os guarani é um importante elemento de constituição da pessoa e de elaboração contínua de seu modo de viver. Estudiosos como Curt Nimuendajú e Bartomeu Meliá afirmam que os guarani são “o povo da palavra”, e a prática de escutar e de falar configura sua organização social, política, religiosa. Graciela Chamorro afirma, ainda, que a espiritualidade guarani é uma “experiência da palavra” ancorada em uma complexa teologia que só se pode observar frente a um estudo profundo e prolongado.

É pela palavra que a pessoa guarani vai sendo constituída, e essa produção se inicia antes mesmo do nascimento de um novo ser, ou de sua concepção propriamente dita. Para eles a vida se inicia quando um componente divino é enviado e se coloca a caminho, até chagar e fazer morada em um corpo guarani. Essa porção divina é enviada em forma de palavra-alma e se torna pessoa à medida que vai sendo pronunciada, lida, inventada, através de palavras que são proferidas pelos pais, pelos líderes religiosos, pela comunidade, em diferentes momentos cotidianos e rituais. Observa-se, assim, que a palavra é um componente central no dia-a-dia dos guarani e ela se converte em conselhos e ensinamentos (dos pais para os filhos, dos anciãos – karaí – para os jovens, e assim por diante). Uma das maiores preocupações dos pais é assegurar o desenvolvimento da criança e faz necessário dizer que eles são extremamente afetivos e cuidadosos com ela, tratando-a como se fosse um hóspede querido, para que, então, se acostume com a vida, condição finita e humana. Ao longo da vida, uma pessoa guarani precisa aprender certas condutas que lhe permitam aproximar-se cada vez mais de sua porção divina, e, portanto da palavra que expressa a sua alma. Assim, o respeito a várias regras, no dia-a- dia, assegura que nela se mantenha e se aprimore as características divinas – ser generoso, escutar a palavra dos outros, compartilhar, ser leve, manter-se alegre, são manifestações de divindade. O contrário pode também ocorrer quando, por exemplo, as pessoas desrespeitam as regras sociais e, neste caso, a porção humana prevalecerá e elas estarão cada vez mais próximas dos animais.

O significado central da palavra na vida dos guarani pode ser pensado, ainda, pelas formas como eles definem e organizam a chefia: pode-se dizer que o poder de alguém nestas sociedades não se estabelece pela coerção de um chefe que possui o direito de ser ouvido, e sim pela capacidade oratória desse chefe, que tem o dever de falar, de ser convincente naquilo que diz, utilizando, para isso, as palavras com sinceridade e falando com o coração. Os guarani nos falam continuamente que a palavra deve expressar a verdade, o bom sentimento, e deixar ver aquilo que somos. E, por acreditar nisso, eles são notáveis no exercício da tolerância, na diplomacia e do respeito pelos outros. Eles acreditam que a palavra tem o poder de construir o entendimento, quando proferida com sinceridade, por isso a principal forma de luta política desse povo se dá por meio do discurso – sempre que convidados a falar, eles elaboram sua intervenção de modo a estabelecer o entendimento e o respeito (partem, quase sempre de uma fala mais elogiosa, que valoriza o interlocutor), e só então apresentam sua reivindicação, para que esta possa ser efetivamente ouvida e compreendida. Ocorre que, na dinâmica das relações políticas da sociedade ocidental contemporânea, a palavra não funciona, necessariamente, como expressão da verdade e da mútua compreensão e, talvez, por isso, muitas vezes os discursos guarani não são vistos como formas de luta e nem como expressões de um firme posicionamento.

É importante destacar, ainda como aspecto relevante, a dinamicidade da língua: os guarani mantém, de um modo geral, a comunicação cotidiana em sua própria língua, sendo o português e o espanhol línguas utilizadas para estabelecer relações com os outros. Em cada uma das parcialidades da etnia guarani, a língua falada apresenta diferenças importantes, de pronúncia, de estilo, de expressões, em função da realidade cultural, social e política nas regiões onde vivem.

IHU On-Line – Que vínculo os índios guarani mantêm com a terra?

Roberto Antonio Liebgott e Iara Tatiana Bonin – Embora este povo possua vínculos ancestrais com um amplo território, eles vivem, em grande maioria, em pequenas porções de terra, com áreas que variam entre 5 a 500 hectares. No Brasil, a situação mais complexa é a de Mato Grosso do Sul, onde poucas áreas estão efetivamente demarcadas, sendo que uma grande parcela da população Kaiowá vive confinada em pequenas reservas e ou em acampamentos de beira de estradas. No Rio Grande do Sul, também existem diversas comunidades Mbyá vivendo às margens das rodovias. É preciso dizer, antes de mais nada, que esta não é uma opção dos guarani e, sim, uma condição que a eles foi imposta em função do modelo de ocupação e de desenvolvimento regional e nacional.

Viver em pequenas porções de terra não é adequado a um povo para quem a terra é fonte de vida, é lugar onde se restabelecem elos entre eles e seus ancestrais, onde se celebra a vida, onde se cultiva a porção divina que vive em cada pessoa, e onde se organiza o viver. Sobre ela se estrutura o nhande rekó – o modo de ser guarani.

Ainda em relação aos vínculos dos guarani com a terra, é importante lembrar que uma marca distintiva deste povo é sua mobilidade. Neste sentido, a vida guarani pode ser pensada como um “contínuo caminhar”. Eles se movimentam num amplo território, hoje compartilhado com muitas outras pessoas (e constituído também pela presença de cidades, de fazendas, de plantações, de matas). No entender de muitos estudiosos que se dedicam à cultura guarani, a mobilidade não se refere apenas a um modo de relacionamento com a terra, mas constitui também o nhande rekó, que prevê a mobilidade das pessoas e das famílias entre os grupos e a mobilidade dos grupos no interior do território mais amplo. Como estilo de vida, a mobilidade colabora para a produção de saberes, para a circulação maior de bens, de sementes, de ervas medicinais, e ainda proporciona às pessoas o desenvolvimento de certas capacidades que são consideradas importantes para assegurar o bem viver. Neste perambular constante, os guarani vão incorporando elementos de distintas regiões e culturas aos seus modos de viver, e vão também restabelecendo laços de parentesco, de colaboração, de partilha, aspectos fundamentais para a cultura e para a tradição deste povo.

Os guarani possuem vínculos com um território geográfico amplo, não mais contínuo como no passado, que é compartilhado por diferentes sociedades e no qual eles se mantém perambulando, estabelecendo intercâmbios, formando aldeias em locais estratégicos, constituindo referenciais simbólicos e práticos. As formas de ocupação acontecem, portanto, através de deslocamentos concretos desses grupos, mas também pressupõem uma dimensão religiosa.

IHU On-Line – Por que alguns guarani vivem à beira das estradas, em especial na região Sul do Rio Grande do Sul? Que aspectos antropológicos explicam esse fato?

Roberto Antonio Liebgott e Iara Tatiana Bonin – Os vínculos dos guarani com seu território são profundos e envolvem elementos materiais e espirituais, conforme assinalamos anteriormente. Para os guarani, a vida, em toda a plenitude e potencialidade, só pode se concretizar em um tekoha – um espaço específico onde se pode viver ao estilo guarani. De acordo com Bartomeu Melià, um tekoha não é um lugar qualquer, e sim um espaço assim identificado com a intervenção dos espíritos, que orientam o olhar do xamã (o Karaí). Neste lugar é que se dão as condições para que se realize o modo de ser guarani, e ele deve apresentar uma série de características que envolvem aspectos ambientais, sociais e sobrenaturais. É necessário que o Karaí sonhe com este local e, em geral, um tekoha deve ter água e matas, campos, animais, ervas, espaço para plantar e cultivar alimentos (o milho, a mandioca, batata doce, amendoim, feijão, melancia, abobora).

Neste sentido, quando os guarani ocupam um espaço ínfimo, à beira de uma rodovia, o que estariam nos dizendo? Quase sempre essa ocupação é, na verdade, o limite mais próximo que eles conseguem estar de uma área mais ampla, identificada como um tekohá, e que quase sempre se situa “do lado de dentro” das cercas que dividem certas propriedades.

Na atualidade, há uma intensa mobilização deste povo para que se realize a demarcação de suas terras, embora eles não utilizem estratégias de impacto e visibilidade, tal como fazem outros povos que ocasionalmente bloqueiam estradas, ocupam sedes de órgãos de assistência, etc. Existem cerca de 150 terras guarani a serem demarcadas no Brasil, e esta é uma responsabilidade do governo federal. No entanto, os poderes públicos têm agido de maneira negligente, desrespeitando prazos para os procedimentos demarcatórios, omitindo-se em conflitos que colocam em risco a vida de algumas destas comunidades e deixando de cumprir os preceitos constitucionais que estabelecem, clara e irrefutavelmente, o direito dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam. Em todo o ano de 2009, o governo Lula emitiu apenas um decreto de homologação de terra para o povo guarani. O decreto, assinado em 21/12/2009, homologa a demarcação da terra indígena Arroio-Korá, no Mato Grosso do Sul, com 7.175 hectares. Infelizmente, dois dias depois, na véspera do dia de Natal, o ministro Gilmar Mendes, do STF, concedeu liminar aos fazendeiros e os indígenas não puderam comemorar nem mesmo esta única homologação.

A luta pela terra

Também devido à luta por suas terras e por serem obrigados a viverem confinados em pequenos espaços territoriais, várias lideranças indígenas têm sido vítimas de violências. O povo guarani é o que mais sofre violências no Brasil. O estado de Mato Grosso do Sul, onde vive o maior contingente populacional deste povo, continua sendo recordista violências e desrespeito aos direitos indígenas. Em 2009, o estado continuou se destacando no número de assassinatos de lideranças indígenas: foram 33 vítimas de assassinatos, mais da metade dos casos de todo o país.

A prioridade do governo federal, evidenciada em diversas decisões tomadas nestes últimos anos, tem sido a de incentivar grandes empreendimentos econômicos, mesmo que estes possuam grandes impactos local, regional, ecológico e social. Infelizmente, muitas das obras construídas ou projetadas incidem sobre terras indígenas, e também os investimentos em monoculturas, que exigem amplas áreas de terra, acabam por desrespeitar limites de terras indígenas, dificultando as demarcações e gerando tensões e conflitos expressivos em determinadas regiões. No governo do presidente Lula registram-se os maiores índices de lucratividade de empresas, de instituições bancárias, e os menores números de demarcações iniciadas e finalizadas, e tais dados nos informam sobre o lugar que ocupa a temática indígena neste contexto. Também nestes anos verifica-se um crescimento assustador nos índices de violência praticada contra o povo guarani.

IHU On-Line – Que lições Sepé Tiaraju deixa para os guarani?

Roberto Antonio Liebgott e Iara Tatiana Bonin – Uma consideração inicial importante se faz necessária, quando abordamos essa questão: embora o povo guarani, tal como a maioria dos povos indígenas que conhecemos, não vincule sua história a certos nomes, a certos heróis, a feitos individuais exemplares, como nós o fazemos, na atualidade pode-se dizer que Sepé Tiaraju é um nome relevante para eles, e isso se explica por diferentes razões. Possivelmente, por ter liderado um movimento de resistência significativo na história desse povo, Sepé seria lembrado, juntamente com outros tantos líderes. No entanto, na atualidade, o nome deste líder traz à memória os acontecimentos de mais de 250 anos, que marcam um processo de luta e de defesa das terras por eles ocupadas. Sepé é então um nome que faz lembrar e celebrar, no canto, na dança, nas palavras dos homens e mulheres de hoje, a histórica resistência de seus antepassados, em defesa da terra e da liberdade.

Assim, quando os guarani dirigem-se para São Gabriel, a cada ano, na data em que ocorreu o massacre de mais de 1500 guarani, no conflito que envolveu os exércitos de Espanha e de Portugal, em disputa pela posse deste território, eles não apenas o fazem para lembrar de Sepé Tiaraju como um herói; eles seguem em caminhada, para lá realizar seus rituais, para proferir suas palavras e aconselhar os jovens. Lá eles também celebram a resistência, reativam o sonho e a esperança de ver garantidas as suas terras. Esta é, portanto, uma ocasião de encontro, e serve para dar materialidade à palavra, recontando acontecimentos marcantes, discutindo os atuais problemas e especialmente, escutando os discursos proferidos pelos karaí, que descrevem e, assim, antecipam o futuro desejado.

IHU On-Line – Qual a importância da cultura guarani na formação da identidade do povo gaúcho?

Roberto Antonio Liebgott e Iara Tatiana Bonin – A resistência do povo guarani e os duros embates travados contra os exércitos da Espanha e Portugal, em defesa da terra, são muito valorizados por alguns segmentos sociais, intelectuais, militantes das causas populares e indígenas. Em livros de história são escassas as informações sobre estes enfrentamentos e lutas e, portanto, o que se tem acesso são fragmentos e relatos de histórias. Essas histórias são transmitidas a algumas parcelas da população através da tradição oral e do imaginário mítico, que vem sendo produzido a partir dos simbolismos em torno das representações de Sepé Tiaraju.

O gauchismo tradicionalista acabou incorporando algumas representações de Sepé nos seus contos, versos, prosas, músicas. Mas essa incorporação, de fato, tende a acomodar os conflitos e tensões históricas e tudo ocorre como se houvesse uma harmoniosa integração cultural. Além disso, em algumas circunstâncias os sentidos são subvertidos – como, por exemplo, quando o brado “Alto lá, esta terra tem dono”, atribuído a Sepé Tiaraju, é incorporado a discursos de ruralistas, e passa a servir, então, como marca de uma apropriação fundiária que gerou a expulsão e a situação de vulnerabilidade que se encontram hoje os guarani. A expressão “Esta terra tem dono”, no entender guarani e no entender capitalista tem significados radicalmente distintos.

IHU On-Line – Como esses subgrupos (ou parcialidades) étnicos guarani se modificaram ao longo do tempo? Que transformações sociais e culturais marcaram a trajetória deles?

Roberto Antonio Liebgott e Iara Tatiana Bonin – No Brasil, existem pelo menos 240 povos indígenas diferentes, étnica e culturalmente falando. As realidades também são distintas em função da geografia, das relações e formas de contato, em função das perseguições, da discriminação, das políticas de estado, das interferências dos grupos econômicos, políticos e do Estado.

Os guarani, assim como os demais povos que convivem cotidianamente com a sociedade envolvente, foram constituindo estratégias e mecanismos necessários para compreender e saber conviver com as demais culturas. As transformações ou modificações culturais são inevitáveis – aliás, não há cultura no mundo que não seja continuamente reinventada, confrontada com novas situações e com novas práticas. Exatamente porque são feitas de práticas cotidianas, e não apenas de um conjunto de aspectos vinculados à “tradição”, que as culturas – inclusive as nossas -, subsistem e se movimentam.

Tal como as culturas ocidentais e nacionais, ao longo da história, as culturas indígenas vão se adaptando, criando e recriando as maneiras e modos de ser e de viver, reelaborando saberes, convenções, crenças, estruturas políticas, econômicas, religiosas, etc. É uma pretensão um tanto eurocêntrica a que nos leva a supor que ao incorporarmos, por exemplo, o computador, as câmeras digitais, os celulares e tantos outros novos artefatos, estaríamos aprimorando nossas culturas, e que as mudanças nas culturas indígenas seriam signos de “perda cultural”.

Afirmar, no entanto que as culturas se transformam, não é o mesmo que dizer que isso ocorre da mesma maneira em todos os cantos do mundo e para todos os sujeitos. É importante ressaltar que as transformações são também resultantes de relações de poder e de jogos de força que, em muitos casos, resultam na submissão de alguns grupos ao estilo de vida ou aos padrões de outros. É assim que precisamos entender as imposições feitas aos guarani, quando estes são forçados, por exemplo, a viver em condições sub-humanas, e a sobreviver de programas assistenciais e de distribuição de cestas básicas para não morrer de fome, enquanto suas terras tradicionais continuam ocupadas, loteadas, invadidas. É preciso considerar, portanto, que a maior transformação nos modos de vida guarani decorre da não demarcação de suas terras, e da omissão do Estado no que se refere à garantia de seus direitos.

Apesar de tantas adversidades e da opressão que lhes é imposta, os modos de ser e de viver dos guarani nos mostram que é possível a existência de um mundo onde sejam respeitadas as diferenças e a pluralidade de culturas e povos. O modo de ser guarani – essa teimosia histórica em viver, em se movimentar num amplo espaço territorial, em proferir sua palavra – nos permite problematizar certas maneiras de pensar e de viver, nos questionando a estrutura fundiária concentradora, injusta, violenta, as relações com o meio ambiente que se baseiam na lucratividade e não no equilíbrio. Permite também questionar as formas como se estabelecem as fronteiras nacionais, a segregação e a exclusão geradas por elas, bem como o modelo de produção e as formas de exercício de poder.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=32908

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Água dos bobos


Água dos bobos


Se a propaganda da mina de água limpíssima em meio a floresta o impressiona a ponto de comprar água engarrafada e achar que está fazendo bem para alguém, você precisa rever seus conceitos.

Há muita gente interessada em convencê-lo que você será mais limpo, mais bonito e até mais ecológico bebendo água engarrafada porque este é um mercado de mais de 10 bilhões de dólares em franco crescimento e baseado em matéria prima muito barata. Se algo nisto o fez lembrar das antigas propagandas de cigarro com barcos a vela e gente bonita, não foi por acaso.

Com a recente queda no consumo de bebidas carbonadas, as grandes engarrafadoras têm se mudado para este mercado promissor. Quando o Seu Zé do bar nos trás uma garrafa de água sem lacre você logo imagina que ele está lhe vendendo água de torneira. Não precisa incomodar-se, a própria Pepsi está fazendo isto. Em 2007 as ações da gigante tiveram uma queda brusca quando veio a público que sua marca Aquafina nada mais era que água de torneira. A única diferença com Seu Zé é que eles podem comprar a máquina que faz um lacre de plástico bonitinho.

Aqui no Brasil a coisa é um pouco pior. A Nestlé comprou todos poços de São Lourenço e não precisa, ao contrário da Pepsi, nem mesmo pagar a conta de água.

De toda forma você está também fazendo mal para você mesmo bebendo a água engarrafada. Como a garrafa é geralmente de plástico, você estará ingerindo disruptores químicos endócrinos que podem bloquear a testosterona, responsável entre outros, pela fertilidade masculina e o desejo sexual feminino. Os ftalatos, usados para deixar o plástico das garrafas e copinhos mais macio também causam problemas na formação de fetos. Leia o volume especial “The Plastic World” da Revista Científica Environmental Research de Outubro de 2008. A Professora Shanna Swan da Universidade de Rochester cunhou o termo “síndrome de ftalato” associado a pênis pequeno e má formação testicular. Até riria do nome da pesquisadora se não tivesse ficado desesperado.

Além do gasto e dos efeitos biológicos, a água engarrafada também desperdiça transporte e combustível. Não precisamos comer arroz do Rio Grande do Sul e frutas de Goiás, posto que todo nosso território é capaz de produzir frutas e grãos. Beber água transportada por caminhão é ainda pior, só se justifica em casos de calamidade pública. Se você não é um refugiado, compre um filtro de cerâmica onde a água ficará por umas horas perdendo o cheiro de cloro e beba uma água saudável, fresca, com flúor, barata para seu bolso e boa para o ambiente de todos.
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Efraim Rodrigues, Ph.D. (efraim@efraim.com.br) é Doutor pela Universidade de Harvard, Professor Associado de Recursos Naturais da Universidade Estadual de Londrina, consultor do programa FODEPAL da FAO-ONU, autor dos livros Biologia da Conservação e Histórias Impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores. Nos fins de semana ajuda escolas do Vale do Paraíba-SP, Brasília-DF, Curitiba e Londrina-PR a transformar lixo de cozinha em adubo orgânico e a coletar água da chuva.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Moção dos Indígenas do MS aprovada no III Congresso Nacional da CPT

Moção dos Indígenas do MS aprovada no III Congresso Nacional da CPT em Montes Claros - MG

“Vocês arrancam a carne do meu povo” (Miq 3.2)

Nota do III Congresso da CPT sobre a situação do povo Guarani Kaiowa do Mato Grosso do Sul

Os mais de 800 participantes do III Congresso Nacional da CPT(Comissão Pastoral da Terra) ouviram, com o coração apertado, os clamores dos povos indígenas. O povo Potiguara, da Paraíba, luta por preservar seu território e sofre pressão por parte das usinas de cana e de outros empreendimentos. Os índios Borari, do Pará, lutam por ver reconhecido seu território, invadido por madeireiras. Mas o que dói mesmo é ver a situação dos índios Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, conforme nos relataram os indígenas Heliodoro e Dominga. Queremos unir nosso grito ao seu grito de indignação e de protesto.
A realidade das comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul é das mais cruéis e violentas de nosso pais e merece a mais forte repulsa. Foram espoliadas de suas terras e hoje vivem espremidas em minúsculas aldeias que não lhes possibilita as mais elementares condições de sobrevivência, quando não são empurradas para acampamentos às beiras das estradas, sempre perto de uma terra tradicional, sujeitas às intempéries, à fome, à sede. Por falta de terra muitos são obrigados a trabalhar nas usinas de cana devendo aceitar as condições que lhes são impostas. Um povo auto-suficiente, de uma riqueza cultural impar, é tratado como marginal, como escória da sociedade, mal visto pelo conjunto da sociedade sul-matogrossense. Uma realidade que clama aos céus.
Sua luta pelo reconhecimento dos territórios ancestrais (tekoha) recebe as mais diferentes promessas de apoio de autoridades, mas nunca se concretizam. Sempre esbarram no poder político do estado e da maior parte dos municípios onde vivem que os consideram um entrave para o progresso. E quando há alguma sinalização positiva de uma possível solução, esta esbarra no poder judiciário que trava todo e qualquer encaminhamento. Isto se dá até no âmbito do Supremo Tribunal Federal. O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, deu um triste presente de Natal aos indígenas do Mato Grosso do Sul. No dia 24 de dezembro do ano passado suspendeu os efeitos do decreto presidencial, publicado dois dias antes, que homologou a demarcação da Terra Indígena Arroio-Korá. Suspendeu ainda os efeitos de outros decretos presidenciais de demarcação de outras áreas indígenas.
Também não se sente um forte empenho da FUNAI na solução dos problemas indígenas do estado.
Numa situação destas, mais do que qualquer outra palavra se aplicam as palavras do profeta Miquéias:
“Escutem, líderes e autoridades do povo! Vocês que deviam praticar a justiça e, no entanto, odeiam o bem e amam o mal. Vocês tiram a pele do meu povo e arrancam a carne dos seus ossos. Vocês devoram o meu povo: arrancam a pele, quebram os ossos e cortam a carne em pedaços, como se faz com a carne que vai ser cozinhada. (Miq 3,1-3)
Os participantes do III Congresso da CPT exigem que os direitos dos povos indígenas sejam respeitados, que sua cultura seja valorizada, que sua vida seja protegida. É urgente uma solução justa para os todos os povos indígenas do Brasil em especial para o Guarani Kaiowa do Mato Grosso do Sul.

Montes Claros, 21 de maio de 2010

Os participantes do III Congresso Nacional da CPT

Fonte=http://www.cptnacional.org.br/index.phpoption=com_jdownloads&Itemid=23&task=finish&cid=153&catid=31

Cientista diz ter sido infectado com vírus de computador


Cientista diz ter sido infectado com vírus de computador
Rory Cellan-Jones

Da BBC News


Cientista alerta para os riscos de tecnologia implantada no corpo humano.
O cientista britânico Mark Gasson, da Universidade de Reading, contaminou um chip de computador que foi implantado em sua mão.

O artefato, que o permite passar por portas com código de segurança e ativar seu telefone celular, é uma versão sofisticada dos chips de identificação utilizados para marcar animais.

Gasson demonstrou em experiências que o chip tem a capacidade de passar o vírus de computador para sistemas de controle externos.

Se outros chips implantados fossem então conectados ao sistema eles também ficariam corrompidos, segundo o cientista.

Alerta médico

Gasson admite que o teste apenas prova um princípio, mas ele acredita que existam implicações importantes para um futuro em que aparelhos médicos, como marcapassos e implantes cocleares (dispositivos eletrônicos que ajudam a proporcionar uma sensação de som para pessoas surdas) se tornarão mais sofisticados e correrão o risco de ser contaminados por outros implantes humanos.

"Com os benefícios deste tipo de tecnologia vêm os riscos. Nós podemos nos melhorar de alguma forma, mas assim como as melhorias de outras tecnologias, como os telefones celulares, por exemplo, elas se tornam vulneráveis a riscos, como problemas de segurança e vírus de computador", afirmou Gasson.

O cientista prevê que no futuro vá ser feito maior uso de tecnologia implantada.

"Este tipo de tecnologia passou a ser comercializado nos Estados Unidos como um tipo de bracelete de alerta médico, para escanear seu histórico médico no caso de você ser encontrado inconsciente."

Cirurgia plástica

O professor Rafael Capurro, do Instituto de Ética da Informação Steinbeis-Transfer, na Alemanha, disse à BBC News que a pesquisa é "interessante".

"Se alguém for capaz de obter acesso online a seu implante pode ser algo sério", disse.

Capurro contribuiu para um estudo para a Comissão Européia em 2005 que analisou o desenvolvimento de implantes digitais e o possível abuso deles.

"De um ponto-de-vista ético, a vigilância de implantes pode ser positiva e negativa", afirmou.

"Vigilância pode ser parte do tratamento médico, mas se alguém quer te prejudicar pode ser um problema."

Além disso, afirmou Capurro, deve haver cautela se implantes com capacidade de vigilância começassem a ser utilizados fora do campo médico.

Porém, Gasson acredita que vai haver uma demanda para estes aplicativos não-fundamentais, assim como as pessoas pagam por cirurgia plástica.

"Se nós encontrarmos uma forma de melhorar a memória ou o QI de alguém, então há uma possibilidade real de que as pessoas resolvam ter este tipo de procedimento invasivo."