Um conselho pode mudar a sua vida
Elas não conseguem esconder a emoção quando falam da mãe, Noemi, que morreu aos 46 anos. Denise e Ruteney Pinto Vasconcelos ficaram órfãs com 11 e 14 anos. As duas - e o irmão Josué - cresceram com as lembranças de uma mulher que foi uma costureira habilidosa e cozinheira de mão cheia, sempre disposta a ajudar aos que dela necessitavam.
"Nossa infância foi em meio aos bolos de casamento que ela fazia para os vizinhos, tudo de graça", conta Ruteney. Ou entre as linhas e panos, no salão da 1ª Igreja Presbiteriana de Vitória, onde a mãe passava horas costurando para os pobres. "E ela ainda ia para casa orar para as pessoas", acrescenta Denise. Um universo que contava, ainda, com o exemplo do pai, que também lecionava na igreja. Foi nesse contexto que elas aprenderam os ensinamentos que nortearam suas vidas.
Conselhos práticos que vieram do exercício diário da solidariedade, da caridade, da fé, da presença na vida do outro. E que foram úteis, quando, três anos após a morte da mãe, perderam o pai. "Essa é a nossa herança", pontua Ruteney. As mesmas lições que hoje colocam em pratica em suas vidas. Hoje, aos 45 anos, Denise é vice-presidente do Instituto Sarça, instituição voltada para o atendimento de jovens em risco social nos bairros de Jaburu e Forte São João, ambos em Vitória.
Ruteney, aos 48, assumiu a sala de costura da igreja, que leva o nome de sua mãe. Não satisfeita, ajuda vizinhos e até desconhecidos com a confecção de roupas e de muitos bolos. Assim como o irmão, estilista. "Ele não resiste à súplica de uma noiva em dificuldades financeiras", brinca, carinhosamente, Denise. É o exemplo que querem deixar para os filhos: estar sempre disponível para ajudar o outro.
Das peladas de rua para as salas dos tribunais
Quando fala da infância pobre nas ruas do Bairro da Penha, em Vitória, o professor e juiz Willian Silva, da 6ª Vara Criminal, lembra dos seus sonhos de garoto: queria ser jogador de futebol. Seu destino foi mudado pela insistência do pai, um policial militar que chegou a ser condenado por homicídio.
Não havia um único dia em que não ouvisse o conselho paterno: "O melhor é estudar, sempre. Esse é o seu caminho, a sua saída. Ou quer terminar como eles?". O pai do juiz se referia aos vizinhos do bairro, que, na época, já era marcado pela violência e marginalidade. Muitas dessas pessoas acabaram sendo clientes do advogado em que Willian se transformou.
Um deles, Edmilson do Rosário - o bandido mais famoso do Espírito Santo na década de 70 -, foi seu colega de pelada nas ruas do bairro. Outros amigos, que também se envolveram em crimes, foram reencontrar Willian nos tribunais, já como juiz, onde receberam as penalidades da lei.
Hoje, aos 54 anos, casado, pai de dois filhos e avô de uma garota, ele não tem dúvida: foram as orientações recebidas na infância que impediram que a sua vida tomasse um outro rumo. "Para os jovens pobres, os apelos fáceis da marginalidade são muitos. É preciso ter a presença forte de alguém para mudar o seu destino". E seu pai fez isso.
Hoje, com quatro livros de processo penal publicados, Willian lembra que nem mesmo as dificuldades financeiras da família foram obstáculos em sua trajetória. Ia para a Ufes, onde cursava Direito, a pé por não ter o dinheiro da passagem. Para sobreviver e ajudar a família, engraxou sapatos, vendeu laranja em estádio de futebol, trabalhou no comércio, foi office boy.
"Não me envergonho de nada. Aprendi com meu pai que não sou inferior a ninguém. Que é a nossa capacidade que abre caminhos, que gera oportunidades. E isso me tornou mais forte". Essa é a lição que procura ensinar aos filhos e à neta.