DIREITOS HUMANOS - A cama de Procusto
Por Teobaldo Witter
Quero uma cama para deitar e descansar. Uma rede para desfrutar da vida, ouvir o cantar dos pássaros. Uma boa cama faz parte do bem viver. Mas as camas boas não são iguais para todas as pessoas. Há diferentes camas, pois, há diversidade de jeitos de viver. Além disso, há camas que escravizam e fazem sofrer quem nelas se deita.
A história da mitologia grega nos conta sobre a cama de Procusto. O sr. Procusto era um homem que vivia na serra de Eliseus. Na cabana, ele possuia uma cama de ferro. Ela era exatamente do seu tamanho. Ela era do tamanho de sua estatura e de sua visão de mundo. Achava que a sua visão era a única certa. Não admetia nada além de seu próprio mundo, de sua estatura, de sua medida, do tamanho de sua cama.
Procusto seduzia os viajantes para se deitarem nesta cama. Se a sedução não desse o resultado desejado por ele, então prendia-os à força. Se os hóspedes fossem altos, ele cortava o excesso de comprimento para ajustá-los à cama. Os baixinhos eram esticados até atingirem o comprimento suficiente para caberem perfeitamente em sua cama.
Lembrei-me da cama de Procusto, ao analisar e refletir sobre tendências locais, regionais e mundiais impostas pela via única. No contexto, penso no fundamentalismo. Como fato mais recente, o ato terrorista na Noruega, onde um extremista norueguês de 32 anos abalou as estruturas. Trouxe, novamente, a discussão sobre o terrorismo. Alguns líderes do ocidente, mais do que de pressa, tentaram relacionar o fato a um ato terrorista da Al Qaeda. Foi engano e preconceito.
A cama de Procusto significa, hoje, a intolerância humana em relação ao seu semelhante, ao diferente. Mas não seria tanto pela força, mas pela sedução, pela propaganda, assim como Goebel a pensou para seduzir à adesão ao nazismo. O mito pode ser uma parábola para explicar a imposição de um padrão de vida, um sistema único, um só jeito de viver, via de mão única.
Na cabana do Procusto não há diversidade, não há diferenças. Há um só sistema de valor, de vida: a moral do dono da cama. Depois da segunda guerra, a cama americana forjou a vida no ocidente. No mundo global, o jeito americano de viver foi imposto, após a queda do Muro de Berlin, em 1989. Poderiamos, talvez, dizer: a cama americana ou a cama do capitalismo americano.
A globalização foi imposta. Desconsiderou valores, jeitos regionais, vidas diferentes. Cortou culturas, identidades, jeitos de ensinar e apreender, jeitos de fazer política, jeitos de viver na família, jeitos de relacionamentos, jeitos de afetividade, jeitos de racionalidade. Somos capazes de dar e receber informações instantâneas com qualquer parte do planeta, mas desaprendemos respeitar e valorizar as pessoas que conosco convivem. Circulamos pelo mundo, mas somos indiferentes ao mundo ao nosso redor. A cama de Procusto é parâmetro. A cama americana é a medida de todas as coisas. Ela é a via única, a mão única e invisível que comanda mercado. Seduz povos e nações. E lá fomos todos nós, à cabana e à cama de Procusto.
Nem todas as pessoas se deitam nesta cama. A uniformização trouxe amargura, mágoa, resistência, raiva. Pessoas e grupos se sentiram ameaçados, desvalorizados, vendo sua cultura, seus valores, suas identidades sendo cortadas, eliminadas, queimadas como se queima os estoques das lojas.
Mas, infelizmente, também, surgem fundamentalismos. “Quem afirma de forma absoluta sua identidade como a única certa, está condenado a ser intolerante para com os diferentes, a desprezá-los e, no limite, a eliminá-los”, segundo escreve Leonardo Boff.
Nesta linha, o extremista norueguês, certamente estava convencido de que a luta democrática contra a ameaça estrangeira estava perdida. E partiu para uma solução desesperada: colocar o sinal simbólico de elimanção de ‘traidores” multiculturalistas, segundo Boff. Ao colocar todos e todas em sua cama, praticou tragédias.
É bom se dar conta que todos nós estamos sendo colocados na cama de Procusto, aliás, na cama americana. Ela tentou moldar nossa mente e nosso coração. É a via única, o sistema único de viver: desperdiço, esbanjamento, descarte, bugigangas, topa tudo por dinheiro.
Mas, na atual crise financeira no centro do poder mundial e que assusta as potências, surge uma luz de esperança. Pois, percebemos que cama está enferrujada. Os povos não se sujeitam mais à sua medida único, a via única. Queremos mais democracia, diálogo, valorização da vida, direitos humanos, solidariedade, bem comum, respeito, convivência na diversidade, hospitalidade.
* Teoabldo Witter é pastor luterano e ouvidor de polícia em MT
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