sexta-feira, 18 de maio de 2012

O fim anunciado para todos _ Por que é tão difícil aceitar a morte?

O fim anunciado para todos _ Por que é tão difícil aceitar a morte?


Este presente artigo tem como objetivo central discutir aspectos relativos à morte e ao ato de morrer e suas conseqüências na sociedade, com suas diferentes interpretações culturais e superstições formadas. No período primitivo de nossa história, esta relação foi de compromisso e respeito. Para os homens não havia apenas o cadáver, mas uma outra dimensão de vida a ser respeitada, que continuaria a viver embaixo da terra, mediante a realização de certos rituais, os quais chegaram a se elevar ao estágio de religião. (ASSUMPÇÃO, 2005). Porém, ao longo do tempo, a morte foi perdendo sua característica de natural ao homem, passando a ser negada pelo mesmo.
André Malraux (1901-1976), pensador francês, escreveu que “na vida somos hóspedes de passagem”. A morte é um processo biológico natural e necessário. É condição indispensável à sobrevivência da espécie. Através da morte a vida se alimenta e se renova. Desta maneira a morte não seria a negação da vida e sim um artifício da natureza para tornar possível a manutenção da vida. O conceito puramente biológico de morte, entretanto, não é bem aceito pelo homem. O homem tende a analisar a morte filosoficamente, criando aspectos que transcendem aqueles puramente biológicos.
A duração máxima da vida humana, segundo os conceitos médicos, atualmente é de cerca de 120 anos. Alguns pesquisadores dedicados ao estudo dos mecanismos de morte trabalham com uma expectativa de levar a vida até os 400 anos. A ciência que estuda a morte é denominada tanatologia. Segundo a ciência, morte é a cessação da vida devida a alterações irreversíveis que ocorrem no metabolismo celular. Atanatologia estuda aspectos biológicos, sociais, psicológicos, emocionais, legais e éticos relativos à morte.
O termo Tanatologia vem do grego thánatos, que representa o Deus da morte da mitologia grega; e logia, que significa estudo. Assim, para Assumpção (2005),tanatologia seria o “estudo da morte”, ou “ciência da morte”. A ciência tanatológica pode ser considerada tão antiga quanto à própria humanidade. Um exemplo é o homem-de-Neandertal (homo neanderthalensis), que existiu há cerca de 100 mil anos, quando já vivia em pequenas comunidades, enterrava seus mortos em posição fetal, com os objetos de uso pessoal dos mesmos, além de alimentos e flores. Para Assumpção (2005) a arqueologia comprova que a relação, dos povos que foram surgindo, com a morte era significativa. Dois textos antiguíssimos, de duas civilizações distintas, referem-se exclusivamente à morte: o Bardo Thödol, livro dos mortos tibetanos, e o livro dos mortos, do antigo Egito.
Hoje, no século XXI, observamos, que a morte ainda constitui-se como um mistério para o ser humano e até mesmo um problema. Ávido por usufruir da vida, o homem, constantemente se vê ameaçado pela morte, pela qual tenta consciente e inconscientemente fugir. (Assumpção, 2005)
Moser e Soares (2006), afirmam que o aparelho social moderno nos arrasta para uma vida cheia de contradições: oferece tudo e nos nega tudo ao mesmo tempo.Tudo parece ser necessário, fácil, útil e realizável. A morte para todos os povos, em todos os tempos, representa algo comum, fascinante e ao mesmo tempo ameaçadora e influencia em nossa qualidade de vida. Mesmo que desprezemos qualquer idéia de uma vida após a morte, essa realidade independente de nossas ideologias ou fantasias, é arraigada na natureza humana, desinstala-nos, ou pelo menos incomoda-nos. A morte ainda é um tabu, pois não conseguimos resolver o próprio mistério de quem somos.
Visão biológica
Talvez nada seja mais claro e objetivo na vida de todas as pessoas do que a consciência que todos irão morrer, e de que a morte é o fim de um ciclo, ou como outros querem entender o começo de um novo ciclo ainda não explicado. Todos tendem a colocar a morte como um mistério incompreensível, ou como algo inaceitável Na realidade, o tema morte se comporta como uma espécie de assunto proibido ou não discutido, é um tema que as pessoas não costumam e não gostam de conversar. Mas de qualquer forma, aceitando ou não, a morte é um fato, uma verdade implacável, onde ninguém é capaz de fugir. Por mais dúvidas que esse assunto suscite, nada é mais correto que a certeza que todos iremos morrer. Do ponto de vista biológico, a morte é “natural” não por estar em conformidade com a natureza, mas é natural apenas no sentido de que é universal e inevitável. Por mais incrível que possa parecer, o que mais caracteriza o organismo vivo é a imortalidade e não a morte. (TORRES ET AL, (1983). As células vivas são potencialmente imortais, sendo assim a morte dos seres vivos não decorre da sua propriedade original de ser vivo, mas sim de condições especiais de sua organização como ser vivo. Desta forma, a biologia descobriu que a morte não é uma fatalidade da vida orgânica. Para ela, a vida não é a morte, como diria o filósofo alemão Heidegger, “a angústia da morte seria incompreensível se a estrutura fundamental de nosso ser não contivesse o postulado existencial de um ‘outro lado’” (LANDSBERG , 1951). Landsberg contraria Heidegger afirmando que a pessoa humana, na sua essência, não é existência para a morte. A morte no seu contexto médico pode ser definida como sendo o cessar irreversível do funcionamento de todas as células, tecidos e órgãos; do fluxo espontâneo de todos os fluídos, incluindo o ar (“último suspiro”). Por mais objetivo que possa ser as definições do que seja morte, ou a inevitabilidade do morrer ,o difícil é a aceitação da morte.
Visão psicológica
A morte é conseqüência da vida. Todos começam a morrer exatamente no dia em que nascem. Seja pelas raízes culturais ou pelo medo inerente ao ser humano de achar que se pode escapar da morte, que existem outros caminhos a serem traçados que não cheguem ao fim, mas todo princípio tem seu fim. A vida é um ciclo, com início, meio e fim. Podendo definir que início é o nascimento, o meio é o decorrer todo da vida e o fim é a morte. Se esse ciclo se repete, já é uma questão que entra em convicções culturais e religiosas. O conhecimento da morte é conceitual e, enquanto os outros animais são poupados dessa consciência, talvez pela própria falta da mesma, o homem convive a vida inteira com o destino da morte. O próprio Freud analisava que o medo da morte é o medo básico e ao mesmo tempo fonte de todas as nossas realizações: tudo aquilo que fazemos é para transcender a morte. Ele afirma que a morte deveria ser vista como algo natural, inegável e inevitável, mas que na realidade temos um comportamento diferente, “revelávamos uma tendência inegável para pôr a morte de lado, para eliminá-la da vida”. (FREUD apud BECKER, 1973, pg. 47). Tal atitude desempenha poderes em nossa vivência, trazendo renúncias e exclusões. Para Freud, morremos como os heróis que nós projetamos. Becker (1973) deixa claro em sua obra a negação da morte, que Freud sempre fugiu de tentar explicar a morte, fator, talvez, mais importante que a própria sexualidade usada por Freud como motivo principal de todos os comportamentos humanos. Becker tenta mostrar que o próprio Freud sofria do medo da morte, por isso não abordava tal tema.
Outra questão que tangencia o fator psicológico da morte é a fé, “a melhor análise existencial da condição humana leva diretamente ao problema da existência de Deus e da fé” (BECKER 1973, pg. 25). A sociedade procura a fé em Deus como forma de se apoiar no que é desconhecido, talvez nada seja menos conhecido do que o próprio Deus, mas nada é mais correto, ou não, do que a existência do mesmo. A fé é a construção desse imaginário, e serve como acalanto para a idéia da morte. Mas ao mesmo passo que há fé para esquecer e fugir da morte, não há fé que venha compreender e fazer aceitar de fato a morte como ela é: uma realidade de fato.
O medo da morte
Como se pode ver os fatos biológicos, médicos e psicológicos nos ajudam a compreender o medo e a angústia do homem frente à morte. No entanto, em algumas culturas e na nossa própria cultura, existiram épocas que o homem aceitava melhor a questão. Vivemos a vida inteira com o conhecimento da nossa própria morte, tentando evitar qualquer forma o que é inevitável. Em outras sociedades aprende-se a conviver melhor com a realidade da morte do que nós. A difícil aceitação da morte na nossa sociedade é difícil porque ela nos é estranha. Independente de que ela sempre aconteça, nós nunca a vemos. Normalmente quando algum paciente está em estágio terminal, seus familiares e amigos acompanham toda a trajetória da sua enfermidade, que pode durar dias, meses ou até anos. Mas se por alguma eventualidade esse mesmo enfermo venha à óbito, o processo de desaparecer com o mesmo é muito rápido, normalmente os velórios já acontecem no mesmo dia, e no dia posterior seu enterro, tudo isso para que não se tenha contato com o morto. Fica-se triste pela saudade que o falecido irá deixar, e jamais se pensa no que é melhor para o próximo, em alguns casos, a morte é o melhor caminho para o enfermo.
O mundo transformou a morte em tabu: prefere-se esconde-la das crianças e nunca faz parte das conversas diárias. Tudo o que possa lembrá-la, como doenças, a velhice, as enfermidades, tudo é escondido e jogado à parte. Normalmente os doentes morrem no hospital, longe dos holofotes, e da proximidade de amigos e parentes. O luto acaba sendo cada vez mais rápido e comum, vela-se rápido, enterra-se mais rápido ainda. O medo natural que todo homem e mulher sente diante do seu próprio fim vira pânico.
Será que não cabe a nós confessar que em nossa atitude civilizada em relação à morte estamos, uma vez mais, vivendo psicologicamente além de nossos recursos, e devemos nos reformar e dar à verdade o valor que ela merece? Não seria melhor dar à morte o lugar na realidade em nossos pensamentos que lhe pertence, e dar um pouco mais de destaque aquela inconsciente atitude para com a morte que até aqui temos suprimido como tanto cuidado? Isso nem parece, realmente, uma realização de maior vulto, mais sim um passo atrás… mas tem o mérito de levar um tanto mais em consideração a verdadeira situação. (…)
Sigmund Freud, apud Becker
Os pós-darwianos viam o medo da morte como um problema biológico e evolucionário. Para Zilborg apud Becker (1983), psicanalista russo, o temor da morte, é na verdade um instinto de auto-preservação, que funciona como um constante impulso de manter a vida e dominar os perigos que a ameaçam. Esse gasto constante de energia psicológica na tarefa de preservar a vida seria impossível se o temor da morte não fosse tão constante. (ZILBOORG apud BECKER, 1983 ). O argumento da biologia e da evolução é bastante claro, a própria sobrevivência do animal depende do seu temor a morte, para a auto-preservação de sua espécie, já o homem não consegue enxergar da mesma forma, vê a morte como algo que não deve ser alcançado, principalmente pela indefinição do que virá após ela. No caso do homem, ser racional, ele sente temor por algo que não compreende e não tem informações factíveis para que possa entender o seu próprio fim.
Curta: O Pulso
No curta-metragem do diretor José Pedro Goulart, ano de 1997, intitulado de O Pulso, filme que rendeu vários prêmios, há a historia de um homem que caminhava num mar de pessoas desconhecidas quando de repente desaba no chão, como uma espécie de árvore, e simplesmente morre. E é levado ao necrotério, para que se faça a autopsia do mesmo. Até aí, seria uma simples ficção de uma fatalidade, muitas vezes comum. Só que o narrador é o próprio morto, e ele inicia narrando a história, mostrando que morreu, mas assumiu um estado de consciência, ou seja, ele percebia tudo que estava se passando ao redor. Ele inicialmente via a morte como redentora, como o caminho para a luz, como o paraíso ou talvez inferno, mas começa a ver que a morte se apresenta como uma banalidade, uma coisa que na realidade se foge pela total falta de conhecimento da mesma. Para ele não há mais a vida, mas os sentimentos continuam fazendo parte de sua consciência. Surge nesse meio, a história da sua médica legista, que ao abrir os olhos do morto, o mesmo se apaixona pelo olhar e vê que aquela era a mulher da vida dele. Em uma historia paralela, é contado com cenas em cortes rápidos, uma discussão, não muito clara sobre o motivo, ou sobre quem é de fato seu outro protagonista, que culmina no assassinato da médica legista dentro do necrotério, ao lado do morto. Talvez por ciúmes do marido traído, talvez por um amor não correspondido por um colega, não fica claro o motivo. Fica claro, a expectativa da morte da jovem pelo já morto desconhecido, de forma que eles possam se encontrar no “pós-vida”, acontece que ela simplesmente morre. Sem nenhum estado de consciência, sem que o morto possa conhecer a tão amada pelo fim de toda sua vida. E é assim que termina: a consciência dele de que todos morrem como nascem: Sozinhos.
“E aí você finalmente descobre tudo. E você sente a dor lancinante e o medo gelado. Ao contrário de você ela não tem qualquer reação. Não há vida do lado de cá. Vida é o que há antes da morte. Você é apenas um cadáver adiado. Todos morrem como nascem. Sozinhos…”
Trecho final do curta O Pulso
O filme retrata que a morte se encontra num campo subjetivo. Ele faz uma leitura sobre uma possibilidade da morte, mas não encerra o assunto como uma informação definitiva. O que fica claro com ele é a incerteza da morte. A morte é apresentada como algo banal, como uma situação corriqueira da vida de todas as pessoas, o que não deixa de ser verdade, mas não é tão fácil encarar dessa maneira por toda a sociedade.
Conclusão
A morte funciona como o último limiar não conhecido da humanidade. Por isso deixa de ser um tema corriqueiro, de conversas eventuais, até propriamente achar teóricos que queiram adentrar num tema tão controverso, e tão limitado quanto a sua real significação, então este presente trabalho tentou desvendar o porquê do medo da morte e como ele de certa forma influência na própria vida do homem. Fica claro que o medo da morte é o que impulsiona ou até mesmo impede o crescimento do ser humano. “a idéia da morte e o medo que ela inspira perseguem o animal humano como nenhuma outra coisa”, representando, em realidade, “uma proposição universal da condição humana” (BECKER 1973). Dessa forma, pode-se ver que as diferentes culturas constituem sistemas que têm por função negar a realidade da morte, permitindo assim que as pessoas vivam com a ilusão de estarem imunes ao Inevitável, sem o fardo de sua constante e penosa consciência. As pessoas vivem boa parte de sua vida tentando negar que um dia irão morrer muitas vezes como forma de não pensarem no que é mais factível na vida delas. Nada é mais claro do que todos irão morrer, e de que irão morrer da forma que vieram a mundo: sozinho. Por mais que queira fugir do que é inevitável, a morte estará lá, para dar o ponto final a essa história e a história de todos.
Referências Bibliográficas
BECKER, Ernest. A negação da Morte. Rio de Janeiro, Record, 1973.
D`ASSUMPÇÃO,Evaldo.Biotanatologia e Bioética. São Paulo, Paulinas, 2005.
KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Morte: Estágio final da evolução. Rio de Janeiro, Record, 1975.
LANDSBERG, P. Louis. Essai sur l’expérience de la mort. Paris, Seuil, 1951.
MORIN, Edgar. O homem e a morte. 2 ed. Rio de janeiro, Imago, 1997.
MOSER, Antônio e SOARES, André Marcelo M. Bioética do consenso ao bom senso.Petrópolis, Vozes, 2006.
TORRES, Wilma, ET AL. A psicologia e a Morte. Rio de Janeiro, Editora da FGV, 1983.