Médica e psicóloga contam sobre trabalho em Dadaab, no leste do Quênia.
Campo de refugiados abriga 380 mil pessoas.
"Aqui a gente tem que ensinar o que é latrina, o que é usar a água para higiene. Um auxiliar estava dizendo outro dia: 'isso aqui não é para comer', falando de um sabonete. Eles vêm do nada. Eles não têm nada." Sentada no banco em frente à sua casa temporária no alojamento dos Médicos Sem Fronteiras (MSF), Luana conta de seu dia a dia em Dadaab, o maior campo de refugiados do mundo, no leste do Quênia. "Nunca tinha visto nada assim. O número de crianças que chega com desnutrição severa é enorme. Eles caminham mais ou menos 20 dias sem beber água, sem se alimentar. [...] Eles chegam numa condição que é muito crítica associada à desnutrição que eles já tinham. É totalmente diferente de qualquer lugar do mundo."
Essa é a primeira missão de Luana Lima na organização que leva profissionais da saúde a lugares em crise humanitária. Há dois meses em Dadaab, ela está feliz com os resultados do trabalho. "Quando eu cheguei, em maio, 320 pacientes foram admitidos no hospital e a gente tinha uma mortalidade de 7%. Nesse mês [julho] a gente teve 475 pacientes admitidos e uma mortalidade de 1,5%."
As dificuldades não estão só na falta de um serviço médico abrangente. "Aqui as famílias não acreditam em medicina. Eles estão vindo de um lugar onde eles não conhecem hospital, eles não conhecem saúde. [...] Eles chegam no hospital achando que a criança vai morrer, acreditando no seu não sucesso. Quando você mostra pra eles que você está tendo sucesso, eles começam a acreditar em você. Então hoje eu tenho famílias inteiras do meu lado, às vezes eu estou falando com uma mãe vem alguém de outra família dizer 'pode acreditar, vai dar certo."
Além de Luana, outra brasileira trabalha no campo. Débora Duarte está montando o serviço de suporte psicossocial no campo de Dagahaley, um dos três que formam o complexo e inteiro coordenado pelo MSF. "Eles têm os seus traumas e precisamos focar em o que eles vão fazer com a vida deles e como lidar com tudo isso que eles vivem. [...] Percebemos que não é todo mundo que precisa só do medicamento, alguns sim precisam, mas também de um suporte, um apoio psicológico pra entender tudo isso e também explorar suas ideias, o que pode ser feito aqui no campo, já que eles vão passar bastante tempo aqui ou até planejar um futuro pra quando for pra outro país."
Débora acabou de chegar e vai passar seis meses no campo. Natal e Ano Novo no alojamento. "Quando você está dentro da missão você acaba se unindo bastante com as outras pessoas, se envolvendo. Você junta as forças. Não é fácil, mas é aqui que você está. Sua vida é aqui. Você escolheu estar aqui."
E tudo isso vale muito a pena, diz ela. "É um sorriso, um toque, um paciente que volta pra uma consulta, mães conversando porque você sugeriu. Um olhar. Simples coisas."
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/08/nunca-tinha-visto-nada-assim-diz-brasileira-sobre-campo-de-refugiados.html