quinta-feira, 21 de junho de 2012

Caso Nardoni: Uma condenação necessária?


Caso Nardoni: Uma condenação necessária?!

O perigo da influência que a mídia gera no inconsciente coletivo da população brasileira nos mais importantes casos criminais brasileiros


Autoria:
  Daniel Bruno Caetano De Oliveira









Daniel Bruno Caetano de Oliveira, defensor público criminalista em Espírito Santo, especialista em Ciências Penais pelo Instituto Luiz Flávio Gomes, professor de Direito Penal e Processual Penal



Caso Nardoni: uma condenação necessária?!

Em março de 2008 foi veiculada em toda a mídia nacional o trágico caso Nardoni em que Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá foram indiciados e, posteriormente, denunciados pela prática de homicídio triplamente qualificado cuja vítima foi a própria filha de Alexandre, a infante Isabella Nardoni.
À época, lembro-me que eu era paciente de uma clínica fisioterápica e, como não tinha escolha, era obrigado, enquanto sofria as torturas dos exercícios para reabilitação de um ombro luxado, a assistir na televisão da clínica, durante aproximadamente trinta dias subsequentes, às investigações policiais sobre o caso que eram pormenorizadamente veiculadas nos programas jornalísticos matutinos.
Realmente me vi diante de uma verdadeira mini-série  com direito inclusive a capítulos...
Como operador do Direito, sem adentrar na justiça ou injustiça do julgamento dos acusados que posteriormente foram condenados pela prática de homicídio triplamente qualificado, me atenho ao fator mídia em relação aos casos criminais históricos brasileiros:
Primeiramente, não se pode negar que o sensacionalismo, sem sombra de dúvidas, é um fator extremamente pernicioso no âmbito do Direito Penal.
Quando os operadores do Direito se deparam com casos como  Nardoni, Von RichthofenDaniela Perez  se perguntam onde está o Direito como ciência...
Sabe-se que a Lei n. 8072/90( Lei de crimes hediondos) , lei esta tão criticada pelos grandes juristas brasileiros, eclodiu após o caso Daniela Perez. É de conhecimento público também que este caso ( Perez)  foi reiteradamente veiculado na mídia nacional por longos períodos....
Somente após quinze anos da vigência da Lei n. 8072/90 que o STF julgou pela inconstitucionalidade da Lei de Crimes Hediondos no que concerne à impossibilidade de progressão de regimes por afrontar o princípio da Individualização da pena .
Em suma, todos têm direito a progressão de regime, pois tal progressão é um estímulo para o bom comportamento carcerário ( se é que é possível ter bom comportamento dentro dos presídios onde celas que comportam 6 presídiários abrigam mais de 50) e ressocialização do apenado ...
 Especificamente no caso Nardoni, toda uma passionalidade em relação ao caso, passionalidade esta que indubitavelmente prejudicou o julgamento da causa com isenção, foi motivada consciente ou inconscientemente pela imprensa.
Pergunto-me então: quais as teses de defesa que poderiam ser levantadas?
Por um acaso o leitor saberia responder quais as teses de defesa que foram apresentadas na fatídica sessão do Tribunal do Júri?
Não se sabe, nem se quer saber...
Como qualquer outro caso ainda mais complexo e grave que é submetido todos os dias ao alvedrio do Poder Judiciário, diversas teses de defesa poderiam ser aventadas.  Entretanto, a influência da mídia, preocupada com os índices de audiência, com certeza determinou o deslinde da causa e comprometeu inexoravelmente o julgamento pelos jurados.
Não obstante,  ao longo de todo o julgamento foi arquitetado um verdadeiro “circo medieval”, faltando tão somente que o julgamento ocorresse em uma praça pública e que toda uma população ensandecida, assistisse, 'extasiada’ a execução da sentença condenatória, sob as bênçãos da vaidade de alguns operadores do Direito que atuaram no caso...
Afinal, o que leva o ser humano, desde os primórdios da humanidade, a nutrir um sentimento de tanto fascínio pela punição?
O sentimento de indignação pela prática do crime, totalmente justificável e compreensível, transformou-se, ao longo do julgamento do caso Nardoni, em sentimento de vingança privada já banida de todos os ordenamentos jurídicos ocidentais desde o Império Romano da Antiguidade, que trouxe para si o poder-dever de aplicar a pena pública.
Escutou-se nas ruas: trinta e um anos? Ahrr... é muito pouco...
Afinal para que serve todo o sensacionalismo em relação a estes casos emblemáticos?  Seria uma justificativa para demonstrar que a Justiça efetivamente ‘funciona’?
Mas será que esta seria a real missão da Justiça, qual seja, se justificar?  Ou seria aplicar a lei dentro dos limites impostos por um Estado Democrático de Direito fundamentado na dignidade da pessoa humana?
Quantos outros casos são negligenciados pela própria mídia, principalmente referentes a corrupção política?
Recentemente, o Record Repórter veiculou a dantesca situação que vem passando o sistema penitenciário capixaba. Foi apenas uma veiculação...
Não se falou mais no assunto...
O inconsciente coletivo deve exclamar que: Ora, são presos condenados que não têm direitos e garantias constitucionais e devem ser punidos da forma mais cruel e desumana possível! Pena de morte, já!
Esta é a visão do público em geral, visão esta que, infelizmente, não se coaduna com as conquistas alcançadas ao longo de milênios de aprimoramento das Ciências Penais.
Afinal, para que serve a Lei? Apenas para punir ou para ser cumprida em sua totalidade?
Em suma, cada cidadão tem direito a sua opinião, entretanto a comunidade jurídica apenas espera que o legislador, ávido para  atender  o clamor popular  e com o objetivo de angariar votos principalmente em pleno ano eleitoral, não aprove mais uma 'Lei Hedionda' estimulada por mais um caso que engendrou tanta polêmica e veiculação televisiva...
A comunidade jurídica também tem o seu clamor: Chega de legislação do "pão e circo"!

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