O processo sobre o assassinato do advogado e defensor dos direitos humanos Manoel Mattos, assassinado em 2009 na Paraíba, foi o primeiro a ser federalizado no país. Por 5 votos a 2, os ministros da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiram ontem que a apuração do crime e do envolvimento dos cinco suspeitos deve ocorrer na Justiça Federal da Paraíba. É a primeira vez que o instituto do deslocamento, criado pela Emenda Constitucional nº 45, é aplicado.
"A decisão de hoje do STJ, pela federalização do caso Manoel Mattos, é histórica. É uma conquista para os Direitos Humanos no país e um passo fundamental para fazer prevalecer a justiça em vez da impunidade ", avaliou o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que preside o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH). O CDDPH acompanha o caso desde o início e propôs o Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) ou federalização do caso. Liderada pelo ministro, a comissão especial do Conselho instituída para tratar do caso esteve nos estados da Paraíba e Pernambuco em agosto passado.
Manoel Mattos foi executado a tiros em 24 de janeiro de 2009, no litoral paraibano. Advogado e militante dos Direitos Humanos, ele denunciou a atuação de grupos de extermínio nos estados de Pernambuco e Paraíba. Com a decisão do STJ, deve acelerar a apuração e punição dos responsáveis pelo crime.
A sessão do STJ foi acompanhada pelo vice-presidente do Conselho, Percílio Sousa, pelo diretor de Defesa dos Direitos Humanos da SDH, Fernando Matos, e pela coordenadora-geral do CDDPH, Juliana Miranda.
Emocionada, Nair Ávila dos Anjos, mãe de Manoel Mattos, acredita que com a federalização será feita uma investigação detalhada e isenta. “Creio que agora será feita Justiça para um crime tão desumano”, afirma Nair. Segundo ela, trata-se de uma vitória que teve muitos apoiadores. “Eu agradeço a todas as pessoas e organizações que apoiaram nossa família nesta batalha, inclusive o nosso presidente Lula e o ministro Vannuchi”, declarou logo após a decisão do STJ.
O conselheiro do CDDPH, o jurista Dalmo Dallari, avalia que a decisão do STJ é extremamente importante porque a própria criação da Polícia Federal teve como um dos objetivos garantir investigações de casos como este de forma isenta. “As oligarquias locais dominam as mais diversas áreas e a federalização ganha uma importância excepcional”, avaliou. Na opinião de Dallari, a decisão não significa a condenação prévia dos acusados. “A certeza agora é que está assegurada uma investigação independente e imparcial”, finalizou.
A relatora do caso dentro do CDDPH, a procuradora Ivana Farina, que representa o Conselho Nacional dos Procuradores Gerais do Ministério Público dos Estados e da União, avalia que o julgamento acabou sendo uma resposta do Estado brasileiro por meio do Poder Judiciário a uma situação inconciliável de impunidade e violação dos Direitos Humanos estabelecida na divisa dos estados de Pernambuco com a Paraíba.
“A situação é excepcional e justamente dentro desta excepcionalidade que o Estado deve dar andamento ao processo, agora na Justiça Federal, e finalmente responsabilizar todos os envolvidos na execução de Manoel Mattos”, disse ela.
Para o vice-presidente do CDDPH, Percílio de Souza trata-se de uma vitória do CDDPH, dos Direitos Humanos e da Justiça brasileira. “Todos se mobilizaram por entender que as investigações estaduais não estavam sendo realizadas a contento, fazendo valer a cláusula que prevê a federalização para crimes contra defensores de direitos humanos”, avaliou.
“A decisão de federalizar todos os casos relacionados ao assassinato de Manoel Mattos, que também ficarão a cargo da Justiça Federal da Paraíba, é muito importante porque amplia a foco das investigações e favorecerá o combate da impunidade na região”, avalia o diretor de Defesa dos Direitos Humanos da SDH, Fernando Matos.
"Esse é um caso em que se percebe com clareza e eficiência a aplicação do princípio republicano da separação dos poderes, harmônicos. Em 2004, o Legislativo brasileiro aprovou a Emenda Constitucional 45, que faz nascer a Reforma do Judiciário, bem como o Incidente de Deslocamento de Competência – IDC", afirma Juliana Miranda, coordenadora-geral do CDDPH. Ela conta que o Executivo, por meio da SDH, Ministério da Justiça e o CDDPH, provocaram o procurador geral da República a pedir o Deslocamento e monitoraram todo o processo até o seu último instante. "O Judiciário hoje confirma a importância dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e esses valores na ordem nacional, quando transfere para a Justiça Federal um caso de grande violação de direitos humanos e de repercussão internacional”, avalia Juliana.
Sentença - A ministra Laurita Vaz, relatora, acolheu algumas propostas de alteração do voto, para melhor definição do alcance do deslocamento. Entre as principais, está a alteração da Seção Judiciária a que seria atribuída a competência. Inicialmente, a relatora propôs que a competência se deslocasse para a Justiça Federal de Pernambuco, mas prevaleceu o entendimento de que o caso deveria ser processado pela Justiça Federal competente para o local do fato principal, isto é, o homicídio de Manoel Mattos.
Esta foi a segunda vez que o STJ analisou pedido de deslocamento de competência, possibilidade criada pela Emenda Constitucional nº 45/2004 (reforma do Judiciário), para hipóteses de grave violação de direitos humanos. O IDC 1 tratou do caso da missionária Dorothy Stang, assassinada no Pará, em 2005. Naquela ocasião, o pedido de deslocamento foi negado pelo STJ.
Manoel Bezerra de Mattos Neto era advogado, foi ex-vereador e defensor de Direitos Humanos, membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Pernambuco, dirigente do Movimento Nacional de Direitos Humanos e do Partido dos Trabalhadores. Desde o ano de 2000, em diversas as oportunidades, o Estado Brasileiro tem notícias da existência e atuação de grupos de extermínio, que seriam compostos por particulares e agentes estatais (policiais militares, policiais civis, agentes penitenciários), e que atuam na divisa entre os estados da Paraíba e de Pernambuco. Manoel Mattos era um dos que denunciavam amplamente os crimes desses grupos às autoridades estaduais, federais e Comissões Parlamentares de Inquérito, pelo que passou a ser perseguido e ameaçado de morte. Em 24 de janeiro de 2009, Manoel Bezerra de Mattos Neto foi assassinado no litoral paraibano.
No dia 23 de junho de 2009, o então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, requereu ao Superior Tribunal de Justiça a instauração do Incidente de Deslocamento de Competência - IDC, para transferir para a Justiça Federal a investigação, o processo e julgamento do homicídio de Manoel Mattos, bem como da apuração e repressão aos grupos de extermínio atuantes na divisa dos estados da Paraíba e de Pernambuco em toda sua dimensão, inclusive dos feitos instaurados e arquivados, e dos fatos ainda não objeto de qualquer investigação ou ação penal.
FONTES: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2441273/stj-aceita-pedido-para-federalizar-processo e http://www.direitoshumanos.gov.br/2010/10/27-out-2010-superior-tribunal-de-justica-decide-pela-federalizacao-do-caso-manoel-mattos
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NOTA:
Parabéns aos Ministros da 3ª Seção do superior Tribunal de Justiça! Que este exemplo de esmero e empenho pela concretude da Justiça seja seguida por todos os outros magistrados deste nosso imenso e nobre Brasil!
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