Anotações sobre os loteamentos
irregulares
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Um dos problemas
mais graves estudados no direito urbanístico e no direito municipal, muitas
vezes com reflexo no direito ambiental, é o dos loteamentos irregulares, que
proliferam nos grandes centros urbanos, à conta da especulação e da carência de
oferta imobiliária e, lamentavelmente, também por força da grilagem de terras
públicas.
Com efeito, as
conseqüências das obras de implantação de parcelamentos irregulares do solo têm
causado, em alguns casos, graves danos ao meio ambiente, dada a execução de
todo tipo de terraplanagem e congêneres sem o inafastável e prévio
licenciamento ambiental, além da inexistência de condições mínimas sanitárias,
o que incentiva o lançamento de detritos sólidos e esgotos nos rios e lagos naturais,
sem mencionar a falta de rede de coleta de águas pluviais e o correlato risco
de enchentes e desabamentos nesses locais, cujas atividades, em geral,
representam prejuízos à fauna, à flora e a toda a biota ali existente, às vezes
de forma irreparável.
Em meio a esse
torvelinho de irregularidades, sob a ótica urbanística e ambiental, surgem as
controvérsias pelo fato de os adquirentes dos lotes desses parcelamentos
clandestinos exigirem do Município ou do Distrito Federal a regularização do
empreendimento ilícito, haja vista que os compradores desses lotes, em vez de
buscar o ressarcimento dos prejuízos junto ao loteador que lhes vendeu as
parcelas, pressionam o Poder Público e o demandam em juízo para resolver
situações de fato tormentosas.
A questão não é
desconhecida da doutrina, como verbera o professor José Afonso da Silva (1):
"Esses loteamentos
(sentido amplo) ilegais são de duas espécies: a) os clandestinos, que são
aqueles que não foram aprovados pela prefeitura municipal... o loteamento
clandestino constitui, ainda, uma das pragas mais daninhas do urbanismo
brasileiro. loteadores parcelam terrenos de que, não raro, não têm título de
domínio, por isso não conseguem a aprovação de plano, quando se dignam
apresentá-lo à prefeitura, pois, o comum é que sequer se preocupem com essa
providência, que é onerosa, inclusive porque demanda a transferência de áreas
de logradouros públicos e outras ao domínio público. Feito o loteamento, nessas
condições, põem-se os lotes à venda, geralmente para pessoas de rendas
modestas, que, de uma hora para outra, perdem seu terreno e a casa que nele ergueram, também
clandestinamente, porque não tinham documentos que lhes permitissem obter a
competente licença para edificar no lote".
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§
Na verdade, o loteamento tem implicações sobre o bem-estar da coletividade em
geral e não pode ser conceituado como simples exercício do proprietário do solo
em dividir a sua propriedade em várias parcelas, com o inequívoco fito de
lucro, como se não repercutisse sobre o plano urbanístico do território do
Município ou do Distrito Federal. É essa a lição de José Osório de Azevedo
Júnior, citado pelo jurista e mestre em direito ambiental, o emérito Paulo
Affonso Leme Machado (2):
"O loteamento não
pode e não deve ser entendido apenas como um acontecimento jurídico pelo qual
se fraciona a propriedade e se criam direitos decorrentes dos contratos
bilaterais entre o loteador e o adquirente do lote. O loteamento é um fato da
mais alta relevância na vida das comunidades e deve ser tratado como um todo,
isto é, deve ter um ordenamento jurídico tal que atenda às
exigências urbanísticas ou rurais da região, da segurança aos
compradores e da atividade lucrativa do proprietário ".
O
que é, afinal, o parcelamento do solo? É a atividade do proprietário que subdivide
uma gleba de terra em parcelas menores, transformando a gleba original
parcelada em lotes novos. Parcelamento é gênero de que são espécies o
loteamento e o desmembramento.
A própria Lei Federal
nº. 6.766/79 (Parcelamento do Solo Urbano) conceitua as duas figuras. Dispõe o
§ 1º. do art. 2º. da Lei Federal no. 6.766/79 (Lei do Parcelamento do Solo para
fins urbanos):
Dispõe o art. 2º. da Lei
Federal nº 6.766/79 (Lei do Parcelamento do Solo para fins urbanos):
"Art. 2º O parcelamento do solo urbano poderá
ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições
desta Lei e das legislações estaduais e municipais pertinentes.
§ 1º Considera-se loteamento a subdivisão
da gleba em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias de
circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação
das vias existentes ".
§ 2º Considera-se desmembramento a
subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aporveitamento do
sistema viário existente, desde que não implique a abertura de novas vias e
logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já
existentes".
Registre-se que a União
tem competência para editar normais gerais, enquanto os Estados e Municípios
podem estabelecer suas regras, desde que não conflitem com as disposições
gerais de lei federal, haja vista tratar-se de competência concorrente sobre
direito urbanístico (art. 24, I e §§ 1º a 4º, Constituição Federal
de 1988).
A diferença básica entre
loteamento e desmembramento é que, no primeiro, abrem-se novas vias e
logradouros públicos, enquanto no segundo não. No presente artigo, contudo,
ater-se-á à figura dos loteamentos, particularmente os irregulares.
O interessado em
promover um loteamento do solo urbano deve, desde que não sujeito o terreno a
ser parcelado às restrições impeditivas dos incisos I a V do art. 3º da Lei 6.766/79, apresentar projeto à
Prefeitura Municipal ou ao Distrito Federal, com a obediência dos requisitos
dos artigos 4º, 5º e
6º da Lei do Parcelamento do Solo Urbano.
O projeto será aprovado
pelo Distrito Federal ou Município (art. 12, Lei 6.766/79) e pelos Estados nos
casos excepcionais previstos nos incisos I a III do art. 13 da Lei 6.766/79.
É requisito básico que o
parcelador ou loteador, evidentemente, seja o proprietário da gleba original,
pois a ninguém é dado parcelar solo de propriedade alheia . Outra consideração
relevante é que, ainda que nominado "condomínio" ou
"rural", se a atividade se enquadrar na previsão legal alusiva ao
loteamento, deste será a natureza jurídica do empreendimento.
Note-se que o instituto
de direito civil denominado condomínio pressupõe uma co-propriedade dividida em
frações ideais, mas, quando efetivamente dividida uma gleba em lotes fisicamente
individualizados, objeto de propriedade individual exclusiva e distinta, resta
prejudicado o rótulo de propriedade condominial. Como
abertas novas vias dentro da gleba original, parcelada a gleba em lotes
perfeitamente definidos e fisicamente individualizados, objeto de domínio
exclusivo pelo adquirente do lote, está-se falando de uma modalidade de
parcelamento do solo denominada loteamento,
por força de expressa disposição legal (art. 2º., § 1º., Lei Federal nº.
6.766/79).
O loteamento não é
rural, ainda que assim denominado, se não se destina à exploração agrícola,
agro-pastoril ou extrativista mineral. Se se volta à ocupação nitidamente
urbana, reger-se-á pelos ditames da Lei 6.766/79. O título "Condomínio
Rural "geralmente é empregado pelo loteador com o propósito de evadir-se
às exigências da Lei nº. 6.766/79, quando encobre nítida finalidade urbana.
Podem-se resumir as
providências necessárias para a regularização ou a implantação legal de um
loteamento urbano, conforme as exigências da Lei Federal nº. 6.766/79: o
loteador deve submeter o projeto do parcelamento à prévia aprovação do Distrito
Federal ou Município, obter o licenciamento ambiental, se o caso, e, depois de
aprovado, promover o registro do loteamento no Cartório do Registro de Imóveis,
quando, e somente a partir desse momento, poderão ser alienados os lotes a
terceiros, como segue dos seguintes preceitos:
Reza o artigo 12 da Lei
nº. 6.766/79 (Lei de Parcelamento do Solo): "O projeto de loteamento e desmembramento deverá
ser aprovado pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal...".
Dispõe o artigo 18 do
mesmo estatuto: "Aprovado o projeto de loteamento ou de
desmembramento, o loteador deverá submetê-lo a registro imobiliário dentro de
180 (cento e oitenta dias), sob pena de caducidade da aprovação...".
Já o artigo 37 do mesmo
diploma legal assevera: "É vedado vender ou prometer vender parcela de
loteamento ou desmembramento não registrado ".
Prevê ainda o art. 50,
I, da Lei Federal nº. 6.766/79:
"art. 50 -
Constitui crime contra a Administração Pública: I - dar início, de qualquer
modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem
autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições
desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios
".
Ainda, reza o art. 52 da
Lei no. 6.766/79:
"art.
52 - Registrar loteamento ou desmembramento não aprovado pelos órgãos
competentes, registrar o
compromisso de compra e venda, a cessão ou promessa de cessão de direitos,
ou efetuar registro de contrato de compra e venda de loteamento ou
desmembramento não registrado.
Pena: detenção, de 1
(um) a 2 (dois) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o maior
salário mínimo vigente no País, sem prejuízo das sanções administrativas
cabíveis ".
No mesmo compasso, o
artigo 167, I, 19, da Lei no.6.015, de 31.12.73 (Registros Públicos), dispõe: "No
Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos... I - o registro ... 19)
dos loteamentos urbanos e rurais".
Interessante ponderar
equívoco que normalmente é cometido e lesa os interesses dos consumidores
adquirentes dos lotes. O loteador ou um terceiro comprador das frações
apresenta a escritura do registro de imóveis em que figura a gleba ou área
original, objeto de parcelamento. Assim, o terreno que foi loteado é
apresentado como regular.
Para a celebração da
compra e venda dos lotes, todavia, o loteador lavra escritura pública junto a
Cartório de Ofícios e Notas, declarando transferir os direitos de lote da gleba
original. O comprador desavisado é enganado neste momento.
É que o loteador está a
vender, de regra, frações de loteamento sem registro no cartório de imóveis,
ainda não aprovado pelo Distrito Federal ou Município, às vezes mesmo área
pública, a conhecida e criminosa grilagem de terras.
Esclareça-se: o
loteamento é o resultado da subdivisão do terreno original, formando-se lotes.
Antes de o projeto de loteamento aprovado ser registrado no cartório de
imóveis, só existe, no plano jurídico, a própria gleba original não parcelada.
Quando registrado o próprio loteamento, a área originária loteada deixa de
existir para, em seu lugar, no registro de imóveis, constarem o parcelamento e
os seus respectivos lotes.
Assim, se se cuidasse de
um loteamento regular, com registro no cartório de imóveis, o loteador venderia
os lotes junto ao cartório imobiliário competente, e não o de ofício de notas.
A lei exige, para efeito
de regularização, o registro imobiliário do projeto do loteamento como um todo
e não em suas frações, mesmo assim somente depois de aprovado pelo Distrito
Federal ou Município. Antes do registro global do projeto de parcelamento
aprovado (não da gleba de terra original) junto ao Registro de Imóveis, o loteamento
é considerado juridicamente irregular. Todo loteamento, para efeito de
regularização, deve ser levado a registro no cartório de registro de imóveis,
após a aprovação do projeto pelo Distrito Federal, porquanto o registro
imobiliário é condição sine qua non da regularidade de todo loteamento,
seja urbano ou rural.
A Segunda Turma Criminal
do egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal, no julgamento da Apelação
Criminal no. 15.108/95 - DF, ocorrido em 29 de junho de 1995 (publicado no
Diário da Justiça de 06.09.95, na Seção 3, pág. 12.643), pela nobre relatoria
do Desembargador CARLOS AUGUSTO PINGRET, foi considerado crime o ato de
parcelamento de solo rural, sito em área de proteção ambiental, sem prévio
registro do desmembramento ou loteamento como um todo no registro de imóveis e
sem a autorização do Distrito Federal, cuja
ementa merece ser transcrita:
"Constitui-se
em crime contra a Administração Pública o desmembramento de gleba rural,
localizada em área de proteção ambiental, sem prévio registro no cartório de
imóveis e sem autorização do órgão governamental competente ".
Quando não aprovado pelo
Distrito Federal ou Município, sem registro do parcelamento como um todo no
Cartório do Registro de Imóveis, o loteamento é considerado ilegal e
clandestino e os seus lotes não poderão ser vendidos, a teor do disposto no
art. 37 da Lei nº. 6.766/79.
A prova da propriedade
do lote não poderá ser feita por meio de instrumento particular de contrato de
compra e venda ou mesmo escritura lavrada no Cartório do Registro de Notas,
porque insuscetíveis de transferir o domínio. A titularidade do domínio sobre
imóvel depende de escritura pública e mesmo assim registrada em Cartório do
Registro de Imóveis, único competente para a
transferência da propriedade imóvel segundo o Direito Brasileiro.
Preceitua o artigo 530,
I, do Código Civil Brasileiro em vigor:
"art.
530. Adquire-se a propriedade imóvel... I - Pela transcrição do título de
transferência no registro de
imóvel ".
No caso do Distrito
Federal, a existência legal de um loteamento depende da observância dos
seguintes requisitos de lei: o loteador deve apresentar ao Distrito Federal,
para aprovação, um projeto urbanístico do parcelamento, devidamente acompanhado
de prova de domínio da gleba a ser parcelada e outros documentos (art. 12, Lei
Federal nº. 6.766/79); deve requerer o licenciamento ambiental do projeto de
parcelamento e apresentar Estudo e Relatório de Impacto Ambiental - EIA/RIMA (§
1º., art. 289, Lei Orgânica do Distrito Federal, art. 225, § 1º., IV,
Constituição Federal de 1988). Se aprovado o projeto urbanístico do loteamento
pelo Distrito Federal, depois de obtido o licenciamento ambiental, deverá o
loteador promover o registro do loteamento no competente Cartório de Registro
de Imóveis (art. 3º., XIV, Lei Distrital no. 992, de 28 de dezembro de 1995;
art. 18, Lei Federal n. 6.766/79; art. 167, I, 19, Lei Federal no. 6.015/13 -
Lei dos Registros Públicos)
Se o loteamento nem
mesmo projeto urbanístico aprovado pelo Distrito Federal ou Município possui,
também não tem registro no Cartório de Registro de Imóveis, o que torna a venda
dos lotes e os contratos particulares respectivos ilegais e, portanto, nulos de
pleno direito. De fato, se o loteamento não foi aprovado pelo Poder Público,
nem apresenta licenciamento ambiental, nem tão-pouco dispõe do indispensável
registro no Cartório de Registro de Imóveis, o empreendimento não tem
existência de direito, é ilegal e clandestino. Se o principal (o loteamento)
não goza de existência à luz da ordem jurídica, o acessório (os lotes
resultantes da subdivisão da gleba original e do loteamento) resta eivado do
mesmo vício de ilegalidade.
Os contratos
particulares de compra e venda dos lotes ou frações ideais, bem como todos os
demais negócios de alienação das parcelas de um loteamento ilegal, são nulos de
pleno direito, por contrariedade aos artigos 82, 145, II e III, e 530, I, do
Código Civil em vigor. Com efeito dispõem os preceitos legais:
"Art.
82. A
validade do ato jurídico requer agente capaz (art. 145, n. I), objeto lícito e
forma prescrita ou não defesa em lei (art. 129, 130 e 145) ".
"Art. 145. É nulo o
ato jurídico: II - quando for ilícito, ou impossível, o seu objeto; III -
quando não revestir a forma prescrita em lei ".
Art. 530. Adquire-se a
propriedade imóvel: I - pela transcrição do título de transferência no registro
do imóvel ".
A lei proíbe a venda de lotes de loteamento sem
registro no Cartório de Registro de Imóveis (art. 37, Lei Federal no. 6.766/79). Os
negócios jurídicos de compra e venda de frações ideais ou lotes do loteamento
Privé Lago Norte I e II, portanto, porque celebrados expressamente contra
vedação legal, são atos jurídicos nulos, porque possuem objeto ilícito (art. 145, II, Código Civil). Como se
cuida da compra e venda de imóveis, a lei prescreve forma especial: o contrato
deve ser mediante instrumento público e a propriedade imóvel somente se
transmite por meio de transcrição do título de transferência no cartório de
registro de imóveis (art. 530, I, Código Civil). Como os contratos geralmente
são celebrados por instrumento particular e como não operada a transcrição do
título no cartório de registro de imóveis competente, os atos jurídicos são
nulos também porque não revestem a forma prescrita em lei (art. 145, III,
Código Civil).
O ponto é: o
direito federal pátrio não permite a venda de lotes de loteamento não
registrado no Cartório de Registro de Imóveis. Todo loteamento, seja com
finalidade urbana ou rural, somente passa a existir no mundo jurídico depois de
registrado e inscrito no Cartório de Registro de Imóveis competente, porquanto
o registro imobiliário é condição sine qua non da própria existência legal de
qualquer loteamento. Antes do registro do próprio loteamento no Cartório de
Imóveis, o empreendimento ainda não é reconhecido pela ordem jurídica.
Ora, se o loteamento
(principal) não existe no plano jurídico, os lotes dele resultantes
(acessório), ipso facto, também não gozam de
existência legal. Se os lotes ou parcelas não existem no mundo jurídico, como
poderiam ser objeto de compra e venda? Ademais, se os lotes, assim como o
loteamento do qual se originaram, não têm registro no Cartório de Registro de
Imóveis, como seria possível admitir a respectiva alienação, desde que a
propriedade imóvel somente se transfere por meio da transcrição do título no
cartório imobiliário, nos termos do art. 530, I, do Código Civil? Não se pode
tolerar a venda daquilo que não existe.
Lecionando sobre os
loteamentos com finalidade rural, o eminente juiz de direito do Estado do Rio
de Janeiro e estudioso do direito agrário, Dr. ARNALDO RIZZARDO, aduz (3):
"Proibida a venda
de lotes sem a aprovação pelo INCRA e o registro imobiliário do loteamento...
Efetuado o registro do
loteamento, a lei confere ao imóvel o estado de propriedade loteada. Faculta-se
ao loteador publicar anúncios e outros meios de propaganda de venda dos lotes a
prestações, mencionando sempre o número e a data do registro imobiliário
").
No mesmo diapasão,
acentua o também professor de direito agrário e nobre juiz de direito do Estado
de São Paulo, Dr. Álvaro Erix Ferreira, em lição sobre os loteamentos rurais
(4):
"Já se falou que é
a inscrição no registro de imóveis que produz a juridicização do loteamento.
Cabe transcrever aqui a lição nesse sentido do renomado Pontes de Miranda: ‘ juridicamente, o loteamento somente começa de
existir, para todos os efeitos, isto é, completa e perfeitamente, depois - no
instante imediato - da inscrição; com o registro, cessa
a unidade anterior do terreno loteado; em vez dele, exsurge, no plano jurídico,
a pluralidade de terrenos (lotes) ... ‘ (em Tratado de Direito Privado, Parte Especial, t. XIII, Ed.
Borsoi, Rio de Janeiro, 1971, p. 21) ...
... Serpa Lopes mais
adiante reitera: ‘ sem a inscrição, nenhuma operação de venda de lotes de
terrenos a prestação pode ter lugar e a escritura que se fizer, com preterição
dessa formalidade legal, não pode ser transcrita ‘ ".
Então, vê-se que é
pacífico, não somente no direito positivo mas também na doutrina, que não se
pode, até mesmo por lógica, vender lotes de um loteamento não registrado no
Cartório de Registro de Imóveis, justamente porque, in casu, como é a inscrição que dá existência no mundo
jurídico ao loteamento (principal), o loteamento, por não estar registrado no
Cartório de Registro de Imóveis, não existe no plano jurídico.
Conseqüentemente, se o principal (o loteamento) não tem existência legal, como
poderia ser vendido o acessório (os lotes), que também não existe para o
universo jurídico? Ora, se o direito não reconhece a validade do próprio loteamento
enquanto não registrado, como admitir, por provimento judicial declaratório,
que os lotes dele originários poderiam ser vendidos?! Accessio
cedit principale.
Não é à-toa que o art.
37 da Lei Federal no. 6.766, de 19.12.1979 dispõe: "é
vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não
registrado ". Não pode ser vendida uma parcela ou parte
(lote) de um empreendimento (loteamento) que não existe, pois só tem existência
perante o direito a partir do registro do projeto de loteamento no Cartório de
Registro de Imóveis. Admitir o contrário significa, por absurdo, o mesmo que se
permitir que sejam vendidos apartamentos de um condomínio em propriedade
horizontal, sem que o empreendimento nem esteja registrado no cartório
imobiliário competente, o que, a propósito, também é proibido pela Lei Federal
no. 4.591, de 16.12.1964, em seu art. 32, caput e
alíneas de ‘ a ‘ até ‘ p ’ e § § 1º. a 12, sob o mesmo fundamento.
Pois bem: um lote que
integre um loteamento não registrado no Cartório de Registro de Imóveis não
pode ser alienado porque inexistente para o direito. Daí
o motivo de a regra da proibição de venda de lotes de loteamento urbano não
registrado no cartório imobiliário (art. 37 da Lei Federal no. 6.766/79) e
da venda de unidades de incorporação imobiliária também sem registro
imobiliário (art.
32 da Lei Federal no. 4.591/64) aplicar-se, por igual fundamento, no tocante à venda
de lotes de loteamento rural não registrado no Cartório de Imóveis (art. 167, I, 19, Lei Federal no.
6.015/73; art. 89 do Decreto Federal no. 59.428, de 27.10.1966; item 4.7.2 da
Instrução Normativa - INCRA no. 17.b., de 9.12.1980; art. 61, caput,
da Lei Federal no. 4.504/64).
Parece não socorrer o
loteador,a inovação do direito de usar, gozar e dispor enquanto faculdades
inerente ao direito de propriedade. A tese individualista de interpretação do
direito de propriedade, segundo a qual se defendia ao proprietário as
faculdades de usar, gozar e dispor da coisa como lhe aprouvesse, foi concepção
em vigor no século XVIII, mas atualmente se mostra de todo repelida pelo
ordenamento jurídico das nações civilizadas, que elegeram a propriedade em
função social.
De fato, o inciso XXII
do artigo 5º. da Constituição Federal de 1988 dispõe que: "é
garantido o direito de propriedade ". Mas o inciso XXIII do mesmo
artigo da Lei Fundamental reza que: "a propriedade atenderá a sua função social ".
Comenta, com o brilho
costumaz, o emérito constitucionalista JOSÉ AFONSO DA SILVA (5):
" ... Demais, o
caráter absoluto do direito de propriedade, na concepção da Declaração dos
Direitos do homem e do Cidadão de 1789, ... foi sendo superado pela evolução,
desde a aplicação da teoria do abuso de poder, do sistema de limitações
negativas e depois também de imposições positivas, deveres e ônus, até
chegar-se à concepção da propriedade como função social...
... Pois, em verdade, o regime jurídico
da propriedade tem seu fundamento na Constituição. Esta garante o direito de
propriedade, desde que ela atenda a sua função social (art.5º., XXII e XXIII)...
... Essa dicotomia fica
superada com a concepção de que o
princípio da função social (Constituição Federal, art. 5º. , XXIII) é um
elemento do regime jurídico da propriedade, é, pois, princípio ordenador da
propriedade privada, incide no conteúdo do direito de propriedade,
impõe-lhe novo conceito... A
função social, assinala Pedro Escribano Collado, ‘ introduziu, na esfera
interna do direito de propriedade, um interesse que pode não coincidir com o do
proprietário e que, em todo
caso, é estranho ao mesmo’, constitui
um princípio ordenador da propriedade privada e fundamento da atribuição desse
direito, de seu reconhecimento e da sua garantia mesma, incidindo sobre o seu próprio
conteúdo ".
No mesmo compasso,
leciona o saudoso professor HELY LOPES MEIRELLES (6):
"Tais
limitações constituem legítimo condicionamento do direito de propriedade, e
especialmente do de construir, aos superiores interesses da coletividade,
expressos nos regulamentos administrativos a que alude o artigo 572 do
Código Civil...
... Superado o conceito
absolutista do direito de propriedade - jus utendi, fruendi et abutendi -, que teve o seu apogeu no
individualismo do século XVIII, o domínio particular se vem socializando ao
encontro da afirmativa de Léon Duguit, de que ‘ a propriedade não é mais o
direito subjetivo do proprietário; é a função social do detentor de riqueza ‘.
Com essa característica contemporânea, já não se admite o exercício anti-social
do direito de propriedade, nem se tolera o uso anormal do direito de construir
".
A atividade de lotear ou
desmembrar a sua gleba original não isenta o proprietário do dever de
observância das normas legais e regulamentares disciplinadoras do parcelamento
do solo, tanto para fins urbanos como rurais, haja vista que o Distrito Federal
e os Municípios não estão, sob hipótese alguma, a negar o exercício do direito
de propriedade, mas conformando-o aos interesses do bem-estar coletivo e da sua
função social, em consonância com a lei e com o bom direito.
A constituição de
loteamentos ilegais e clandestinos configura mau exercício do direito de
propriedade privada, haja vista que a divisão de uma gleba original em diversas
parcelas, com vistas à formação de lotes, atividade reputada como parcelamento
do solo, determina adensamento populacional, despesas para o Poder Público com
a instalação de equipamentos urbanos (serviços de utilidade pública, como luz,
telefonia, esgotamento sanitário e congêneres), além de inevitável impacto ao
meio ambiente.
É evidente que atividade
de tamanha repercussão urbanística e ambiental, como é o caso do parcelamento
do solo, não pode ser exercida à revelia de qualquer controle do Poder Público,
mas, ao contrário, sobre ela incidem, por força de lei, diversas limitações
administrativas, além da imperatividade da aprovação dos projetos de loteamento
ou desmembramento pelo Município ou Distrito Federal.
O
fato é que, conquanto titulares do domínio sobre a gleba original, não assiste
aos proprietários o direito de parcelar o solo rural ou urbano, sem que antes
promovam a regularização do loteamento como um todo, colhendo a aprovação do
Distrito Federal, sobretudo no que tange à tutela do meio ambiente e
urbanística, além de providenciar o registro imobiliário da modalidade de
parcelamento do solo, exigível por força de lei. Antes disso, fica
terminantemente proibido o registro dos lotes ou parcelas junto aos Cartórios
do Registro de Imóveis
O tema do parcelamento
do solo já refoge da classificação de mero exercício do direito de propriedade,
mas, ao contrário, a questão insere-se, hoje, nos lindes do direito urbanístico
e na perspectiva da função social da propriedade, desde o advento das Leis
Federais 4.504/64 e 6.766/79, ainda mais em se tratando de loteamentos irregulares, ,
porquanto o intento de lucro individual sobrepuja, egoísticamente, toda e
qualquer perspectiva de ordenação da atividade de urbanização no Distrito
Federal, causando gravíssimos problemas sociais e urbanos, notadamente porque,
depois de alienadas as parcelas da divisão da gleba original irregularmente
loteada, fica ao Estado o dever de, depois de atendidos os requisitos legais e
regulamentares, instalar
equipamentos públicos e infra-estrutura nos loteamentos, dos quais resultam,
com freqüência, danos irreversíveis ao meio ambiente, devido
à localização destes em unidades de conservação ambiental, a par da inexistência de sistema de esgotamento
sanitário e de coleta de águas pluviais, de que resulta a eleição de lagos e
rios para despejo de esgotos e efluentes.
Ainda que se admita
tratar-se, de fato, de parcelamentos de fins rurais e que, no seu
desenvolvimento, não sofrerão distorções tendentes à implantação de loteamentos
urbanos (o que se tem verificado com enorme freqüência), constata-se que os
proprietários se julgam no suposto direito de alienar as suas parcelas a
terceiros, de construír as edificações que bem lhes aprouver nos seus lotes
(independentemente de autorização edilícia da Administração), de receberem
todas as regalias do Estado mediante a prestação de serviços de utilidade
pública, à revelia das vedações da normas legais e regulamentares, federais e
distritais. Não lhes interessam, por igual, as danosas repercussões causadas ao
meio ambiente. Consideram-se, assim, no direito de sobrepor-se às exigências da
lei e dos regulamentos, instaurando uma pretensa supremacia do interesse
privado sobre o interesse público, em frontal violação da perspectiva vigente
no ordenamento jurídico pátrio.
A questão urbanística
(na qual se inclui a figura do parcelamento do solo urbano ou rural) alçou-se
em nível de previsão constitucional, dada a relevância da matéria para o
bem-estar de toda a coletividade, haja vista o célere crescimento dos
aglomerados urbanos, o que impôs foros de excepcional interesse público ao ordenamento
urbanístico, mormente em razão do imperativo de se regulamentar a ocupação do
solo urbano e rural.
Tanto assim que o artigo
30, inciso VIII, da Lei Suprema de 1988 preceitua que: "Compete aos Municípios ... VIII - promover, no que couber,
adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do
parcelamento e da ocupação do solo urbano ". Competência extensiva ao Distrito
Federal por força do dispositivo do artigo 32, parágrafo
primeiro, da Lei Fundamental.
É dever do Poder Público
ordenar a ocupação, o uso e o parcelamento do solo urbano e rural do seu
território, no superior interesse de preservação do meio ambiente, das
florestas, da fauna, da flora e dos bens que compõem o patrimônio histórico,
estético, turístico, paisagístico e cultural, cuja defesa incumbe à
Administração por missão constitucional e para cujo cumprimento o Estado exerce
o seu legítimo e legal poder de polícia.
Essas as anotações que
pareceram oportunas se consignasse acerca do extenso tema.
NOTAS
(1) Direito Urbanístico
Brasileiro, Malheiros Editores, 2ª. ed., SP, 1995, p. 307.
(2) Direito Ambiental
Brasileiro, Malheiros Editores, 5ª. ed., SP, 1995, p..258.
(3) O Uso da Terra no
Direito Agrário, editora Aide, 2ª. ed., 1983, págs. 75 e 155/156
(4) "Configuração
dos Loteamentos Urbanos e Rurais", in Revista
de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, no. 28, vol. 8, págs. 114
e 129, abril/junho de 1984
(5) Direito Urbanístico
Brasileiro, Malheiros Editores, 2ª. edição, SP, 1995, págs. 62, 63 e
(6) Direito de
Construir, Malheiros Editores, 7ª. edição, SP, 1996, pág.24