sexta-feira, 17 de agosto de 2012

DEFENSORIA PUBLICA ACESSO A JUSTIÇA E GARANTISMO PENAL



DEFENSORIA PUBLICA ACESSO A JUSTIÇA E GARANTISMO PENAL

DEFENSORIA PUBLICA,, ACESSO À JUSTIÇA, GARANTISMO E DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS - O presente artigo tem o objetivo de alertar o meio jurídico nacional sobre a grave situação que vem passando a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo.


Autoria:
Daniel Bruno Caetano De Oliveira 


Daniel Bruno Caetano de Oliveira, defensor público criminalista em Espírito Santo, especialista em Ciências Penais pelo Instituto Luiz Flávio Gomes, professor de Direito Penal e Processual Penal

AS PRERROGATIVAS CONSTITUCIONAIS DA DEFENSORIA PÚBLICA, A REALIZAÇÃO DO PROCESSO NO PRAZO RAZOÁVEL E O DÉCIMO AXIOMA GARANTISTA


Infelizmente o Estado do Espírito Santo foi recente de palco de uma intervenção do Conselho Nacional de Justiça em decorrência de desrespeito a direitos e garantias fundamentais.

               Presos foram encontrados literalmente ‘esquartejados’ em estabelecimentos prisionais em decorrência da superpopulação carcerária.

            Diante deste tenebroso incidente, há que se concluir que existem várias espécies de penas legalmente previstas na legislação penal brasileira.  Algumas vedadas constitucionalmente, outras previstas infraconstitucionalmente, e, finalmente, outras implicitamente oriundas de uma realidade desconhecida até mesmo pelos operadores do direito.

Uma destas penas desconhecidas no sentido de sanção (preceito secundário não declarado e não previsto) é a não realização do processo no prazo razoável.

Os réus que se encontram presos provisoriamente, sem o respeito ao processo penal no prazo razoável, sofrem verdadeiras penas antecipadas, sem julgamento pré-determinado, pois o excesso de prazo não é observado pelos Tribunais, habitualmente, conforme expõe o professor Dr. Aury Lopes Júnior a seguir.

O direito de defesa e o próprio contraditório também são afetados, na medida em que a prolongação excessiva do processo gera graves dificuldades para o exercício eficaz da resistência processual, bem como implica um sobrecusto financeiro para o acusado, não apenas com os gastos em honorários advocatícios, mas também pelo empobrecimento gerado pela estigmatização social. Não há que olvidar a eventual indisponibilidade patrimonial do réu, que por si só é gravíssima, mas que se for conjugada com uma prisão cautelar, conduz a inexorável bancarrota do imputado e de seus familiares. A prisão (mesmo cautelar) não apenas gera pobreza, senão que a exporta, a ponto de a "intranscendência da pena" não passar de romantismo do direito penal.

A lista de direitos fundamentais violados cresce na mesma proporção em que o processo penal se dilata indevidamente.

Mas o que deve ficar claro é que existe uma pena processual mesmo quando não há prisão cautelar, e que ela aumenta progressivamente com a duração do processo. Seu imenso custo será ainda maior a partir do momento em que se configurar a duração excessiva do processo, pois então essa violência passa a ser qualificada pela ilegitimidade do Estado em exercê-la.[1]


Tal situação atua sobre o indivíduo como uma verdadeira “guilhotina” pendente até o final do processo, arrastando-se por longos meses ou anos nos Tribunais.

A situação do réu, nos casos em que o processo não se desenvolve em um prazo razoável, é pior do que a pena definitiva, pois pode ser considerada pena antecipada e de natureza cruel, conforme prevê o artigo 5º, inciso XLVII, alínea ‘e’ da Constituição da República, em razão de sua atrocidade e insuportabilidade. 

Isto porque na situação de preso provisório, este, na grande maioria dos casos, tem a esperança de uma sentença absolutória e, em muitos casos, até mesmo uma sentença condenatória, mas com conteúdo não privativo de liberdade e com penas a serem cumpridas em regime semi-aberto ou aberto, com possível substituição de pena por restritiva de direitos e multa, ou ainda, pode ser beneficiado pela Suspensão Condicional da Pena – Sursis, pela primariedade de grande maioria dos presos encarcerados provisoriamente.

Destaque-se que pena cruel não é apenas aquela que exerce um excesso de sofrimento sobre o corpo físico do “condenado”, mas aquela que também exerce um excesso de sofrimento moral, psíquico e emocional sobre o mesmo.  Trata-se, portanto, de pena antecipada.

O estado de presunção de inocência simplesmente não existe nestes casos. E, conseqüentemente, por este estado de inocência estar intimamente coligado ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, existe uma verdadeira situação de desrespeito, não apenas às leis ordinárias, que exigem a realização da persecutio criminis no prazo razoável, mas também ao princípio reitor de todo o ordenamento jurídico, verdadeira diretriz do Estado Constitucional e Democrático de Direito, qual seja, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

O professor e Doutor em Ciências Penais pela Universidade Complutense de Madri, Dr. Aury Lopes Júnior, em sua aula sobre Processo Penal no Prazo Razoável ministrada no curso de pós-graduação em Ciências Penais do ano de 2007/2008, Turma 4, fez expressa referência à situação caótica que se encontra a Defensoria Pública em comparação com o aparelhamento dos órgãos executores do Ministério Público e do Poder Judiciário.

Afinal, o Ministério Público tem dupla função no processo penal, função de parte acusatória e função de custus legis.  Esta segunda função tem sido esquecida pelo órgão de execução acusatório que, não obstante ser parte acusatória no processo, como custus legis na persecução criminal, vela pela correta aplicação da lei e deveria exigir, apesar de sua condição de acusador, a presença de defensor público que realize defesa efetiva/resposta, sob pena de se invocar, por analogia, a situação de indefesa no rito do Tribunal do Júri a todos os processos criminais de crimes que tramitam na Vara Comum.

Diante deste panorama, o preso provisório é vítima da morosidade do processo e do desrespeito ao mais novo e moderno direito do cidadão, qual seja, de ser julgado no prazo razoável, conforme preceitua o artigo 5º, inciso LXXVIII  da Constituição da República de 1988. 

Ressalte-se que no direito e garantia fundamental de um julgamento em prazo razoável subentende-se que este será realizado com a máxima qualidade e dignidade, o que ressalta a necessidade de valorização da defesa pública como forma de se respeitar tal direito e garantia fundamental, ínsito no texto constitucional pela Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2007.
Novamente, reporte-se às prerrogativas da Defensoria Pública na solução deste problema.  Via de regra, as Defensorias Públicas não são aparelhadas para atender ao número de demandas, em razão da falta de recursos humanos, materiais e financeiros destinados ao monitoramento dos processos em tramitação que se desenvolvem com a decretação de prisão em flagrante e preventiva.

A liberdade provisória que pode ser concedida de ofício, não é concedida e, nestes casos, o acusado fica encarcerado por longos meses sem qualquer amparo legal e profissional, em razão da mencionada falta de estruturação da Defensoria Pública e baixíssima remuneração dos defensores públicos em relação a outros Estados federados que vem em conjunto ocasionando o abandono da carreira para busca de uma melhor dignidade profissional e, consequentemente reduzindo o quadro de defensores que já se encontram cansados em aguardar a ‘boa vontade’ do governo em solucionar a situação.

Novamente, estas situações distanciam a realidade forense da ideologia garantista de Luigi Ferrajoli em reconhecer a defesa como uma máxima no sistema jurídico de um Estado Democrático, Garantista e Constitucional de Direito (não ideal, mas como Luigi Ferrajoli expôs alhures, pelo menos “satisfatível”).
Lamentavelmente, esta é a realidade da Defensoria Pública  no Estado do Espírito Santo. 



[1] JUNIOR, Aury Lopes.  Ciências Penais.  Revista da Associação Brasileira de Professores de Ciencias Penais, São Paulo:  Editora Revista dos Tribunais, v. 1, n 1, junho/dezembro 2004.  Disponível emhttp://www.cienciaspenales.net, consulta em 25/11/2007. 

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