domingo, 18 de julho de 2010

Justiça Federal da Paraíba determina a reintegração de posse aos índios potiguaras de Rio Tinto

JFPB determina a reintegração de posse aos índios potiguaras de Rio Tinto

Um dos mais antigos processos em tramitação na 2ª Vara da Justiça
Federal na Paraíba, datado de 1990, teve sua sentença prolatada, no mês
passado, pelo juiz Rogério Roberto Gonçalves de Abreu, substituto
daquele Juízo. Trata-se da ação ordinária 90.366-0, de autoria da
Fundação Nacional do Índio (Funai) na Paraíba contra indústrias e
empresários que se instalaram em área de reserva indígena, no município
de Rio Tinto. Na sentença, o magistrado determina a desocupação das
terras por parte dos réus e a consequente reintegração de posse pelos
potiguaras.

Ele julgou procedentes os pedidos fundamentados pela Funai e pelo
Ministério Público Federal em benefício dos índios da aldeia indígena
Jacaré de São Domingos e improcedentes todos os pedidos contrários
formulados pelos industriais, reconhecendo a prática de posse irregular.

No início da sentença, o juiz declarou o julgamento de 3 processos
conjuntamente, devido a conexão existente entre eles. Além do 90.366-0,
também foi sentenciada a ação ordinária de nº 93.8204-3, que tem como
autores a Rio Vermelho Agropastoril, a Destilaria Miriri e a Usina Nossa
Senhora de Lourdes contra a União, a Funai e a comunidade indígena de
Jacaré de São Domingos.

O outro processo julgado (94.11346-3), trata-se de uma ação possessória
movida pelo Ministério Público Federal na Paraíba, Funai e União contra
os empresários e indústrias instalados na região. Nas ações movidas pela
Funai e MPF, os réus são Emílio Acioli de Morais, Fernando Régis Filho,
Luís Franco da Rocha, Francisco Xavier de Andrade, João Rozendo de
Menezes Filho, Aniano Vijuela Di La Cal, Rio Vermelho Agropastoril,
Geraldo Cavalcanti de Morais Sobrinho, Destilaria Miriri, Rival Neves
Bastos, entre outros.

No relatório da sentença, a Funai argumenta que os índios da tribo
Potiguara habitam a localidade de Jacaré de São Domingos, no município
de Rio Tinto/PB, desde a época do descobrimento do Brasil, ou seja,
ocupam o litoral nordestino - mais precisamente os estados do Rio Grande
do Norte e Paraíba - desde o século XVI, espalhando-se por 400 léguas
de costa entre a Paraíba e o Maranhão.

"O Mapa de Cantino, considerado um dos mais antigos documentos sobre o
descobrimento do Brasil, publicado em 1502, indica o Rio Paraíba, à
época denominado de São Domingos. Por sua vez, no mapa Terra Brasilis,
publicado em 1519, já aparece a indicação acerca da Baía da Traição. Em
1549, uma carta escrita por Gonçalo Coelho ao Rei de Portugal já
denominava a costa do litoral paraibano como Costa dos Potyguara".

O relatório acrescenta ainda que "com a conquista definitiva da Paraíba
pelos portugueses, iniciou-se o processo de catequese dos índios. Em
documentos do século XVIII, surgem referências ao aldeamento de Montemor
ou Preguiça, oriundo de uma dissenção interna do aldeamento de Baía da
Traição. O relatório dos Negócios da Agricultura de 1861 informava que
havia duas aldeias na Paraíba, uma delas era a Montemor, habitada por
cerca de 150 indígenas e cujas terras estavam em parte arrendadas a
terceiros. Em outubro de 1866, Antônio Justa Araújo comunicou
oficialmente haver concluído a demarcação da sesmaria de Montemor e
iniciada a medição do perímetro da Baía da Traição".

De acordo com a sentença, "os réus ocupam parte das terras indígenas de
Jacaré de São Domingos em Rio Tinto/PB, inclusive com títulos de
domínio, matrículas e demais elementos imobiliários registrados, os
quais, utilizando-se de meios ilícitos e de titulação dominial nula de
pleno direito, invadiram áreas de terras localizadas no interior dos
limites da Colônia Indígena de Jacaré de São Domingos, ficando
caracterizado o esbulho das terras de usufruto indígena".

No mérito da ação, o juiz Rogério Abreu disciplinou a ocupação das
terras, resguardando o direito dos silvícolas sobre as áreas demarcadas
pela Funai e homologadas por decreto presidencial, concedendo um prazo
de 60 dias para os réus desocuparem os espaços indevidamente utilizados,
sob pena de pagamento de multa diária de R$ 1.000,00 para pessoa
jurídica e de R$ 100,00 para pessoa física, em caso de descumprimento da
sentença. "As terras ocupadas pelos índios na região foram demarcadas e
a eles entregues, constituindo a "Reserva Indígena Potyguara",
devidamente demarcada pelo Decreto n. 89.256/1983 e, consequentemente,
foi reconhecido aos silvícolas o direito sobre a área que ocupavam".

Na sua fundamentação, o magistrado enfatizou que nas três ações conexas,
"podemos observar um mesmo núcleo de argumentos de parte a parte: a
titularidade do direito de propriedade, o exercício legítimo do direito
de posse, a existência de elementos invasores e a ilegitimidade da
ocupação da contraparte". Segundo o juiz, o ponto controvertido não
está no fato de uns e outros estarem ou não a ocupar aquele espaço de
terra, mas na legitimidade dessa ocupação.

Para a decisão, o juiz federal Rogério Abreu investigou os fatos através
de estudos históricos. "Exatamente por isso que cada parte, em sua
pretensão e resistência, trouxe aos autos inúmeras referências a estudos
e pesquisas de diversos profissionais para a reconstrução da história
das terras daquela localidade. Esses estudos, assim, haveriam de servir
- e efetivamente serviram - de base para o esclarecimento de eventuais
pontos controvertidos na narração empreendida por cada um dos
litigantes".

De acordo com esses estudos históricos sobre o tema, trazidos aos autos
pelas partes, as terras em que habitavam os índios da tribo Potiguara na
localidade conhecida como Sesmaria de Montemor foram demarcadas e
loteadas, sendo os lotes entregues às famílias indígenas. "Essas terras
teriam sido, nos anos seguintes, alienadas a terceiros, desaparecendo
completamente a aldeia indígena de Jacaré de São Domingos".

O processo concluiu que as terras loteadas por Antônio Gonçalves da
Justa Araújo foram concedidas às famílias indígenas da antiga Sesmaria
de Montemor. "A natureza indígena das populações que habitam a aldeia de
Jacaré de São Domingos restou devidamente atestada pelos estudos
técnicos antropológicos realizados pela FUNAI". Segundo a sentença, a
posse realmente legítima é aquela exercida pelos habitantes indígenas da
região, embora a propriedade imobiliária seja da União.

Ascom/JFPB
http://www.jfpb.gov.br/site/det_noticias.asp?chave=656