Acampamento Elias de Meura – Fazenda Santa Filomena
Ficha Técnica
Nome: Acampamento Elias de Meura – Fazenda Santa Filomena
Localização: Municípios de Planaltina e Guairaça, noroeste do estado do Paraná.
Resumo:
Caso emblemático de luta pela democratização do acesso a terra no Brasil. Na análise podemos ver intensa disputa pela terra com ocupações, ações no poder judiciário e no executivo. Violência contra os trabalhadores, criminalização da ação social e obstáculos judiciais são os principais fatores que se colocam no caminho da destinação social da área.
A Fazenda Santa Filomena, no noroeste do Paraná, foi ocupada em 2004 por cerca de 400 famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais ligadas ao MST, que denunciavam a improdutividade da área e a morosidade da destinação da fazenda para reforma agrária. No dia da ocupação, jagunços da fazenda atacaram a tiros as famílias acampadas, , por quase 3 horas seguidas, assassinando o trabalhador rural Elias Gonçalves de Meura, então com apenas 20 anos, baleando ainda outras seis pessoas.
Impunidade: Após seis anos a apuração dos responsáveis pelo homicídio de Elias de Meura ainda está em fase de inquérito Policial.. O Caso será levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos. .
Reforma Agrária: A destinação da área ainda aguarda a decisão judicial. O proprietário da área alega em juízo que o INCRA não considerou uma parte do terreno que estava em “recomposição de pasto”, o que tornaria a área produtiva. Agora o caso já está no STJ e no STF.
Reintegração de Posse: Desde 2004 a justiça mantém os trabalhadores e trabalhadoras na área. Logo após a ocupação o proprietário ajuizou ação de reintegração de posse e obteve liminar. Contudo, após o juiz fazer uma inspeção judicial na área, constatando que o acampamento viabilizava às famílias acesso a direitos básicos e que o proprietário da área não dava à fazenda destinação social, decidiu ,manter as famílias no acampamento até a última decisão judicial.
Cerca de 100 famílias continuam acampadas no local, produzindo alimentos, na constante luta pela reforma agrária e pelo reconhecimento de seus direitos. Hoje há no Acampamento Elias de Meura lavouras de subsistência, criação de gado, a Escola Carlos Mariguela, além das casas das mais de 100 famílias. A Escola itinerante Carlos Mariguela proporciona aulas às crianças do Acampamento Elias de Meura e, inclusive traz as crianças do Assentamento Milton Santos para as aulas, vindo de ônibus para o Acampamento todos os dias. A Escola ainda oferece cursos de alfabetização para adultos.
Contexto Histórico:
A Desapropriação dessa área vem se arrastando há mais de 13 anos. Iniciou-se durante o governo de Jaime Lerner no Paraná, um período violento de perseguição aos trabalhadores rurais e aos movimentos sociais. Entre 1994 e 2002, foram assassinados 16 trabalhadores rurais no estado, além das 516 prisões arbitrárias. Além dos assassinatos, a Comissão Pastoral da Terra registrou na época 31 tentativas de homicídio, 49 ameaças de morte, 7 casos de tortura e 325 pessoas vítimas de lesões corporais em conseqüência de conflitos por terra.
Em 1998 Decreto Presidencial classificou a área como improdutiva, desapropriando a fazenda para fins de reforma agrária, uma vez que não descumpria a função social. Possuindo 1797 hectares, a fazenda foi considerada improdutiva por um laudo do INCRA de novembro de 1997.
Pela demora da destinação da área, os trabalhadores ocuparam o local na manhã do dia 31 de julho de 2004. Ao ocuparem a terra, as famílias foram atacadas por jagunços da fazenda. Nenhum dos autores da violência foi responsabilizado até o momento.
Todos os casos de assassinatos de trabalhadores rurais acima mencionados tiveram envolvimento de pistoleiros, que, segundo os trabalhadores, pertencem a uma mesma milícia que age sob comando de fazendeiros da região. Um dos absurdos que marcaram este caso foi a inexplicável fuga que os jagunços conseguiram empreender, mesmo com toda a área cercada pela polícia ainda durante o conflito.
Ações desenvolvidas:
As ações desenvolvidas pela Terra de Direitos têm como principais objetivos, entre outros: 1- Garantir a investigação e punição dos responsáveis por violências contra trabalhadores 2- Viabilizar a manutenção dos trabalhadores e trabalhadoras na posse do imóvel 3- Garantir a desapropriação do imóvel 4- Garantir a participação dos trabalhadores na ações judiciais que debatem a desapropriação.
Para tanto desenvolveram-se atividades através de instrumentos de exigibilidade e justiciabilidade dos direitos humanos, dentre os quais se destacam: 1) mediação de conflitos; 2) denúncias; 3) incidência; 4) litigância 5) campanha.
A Terra de Direitos iniciou sua atuação no dia seguinte ao atentado, indo ao local para colher informações e acompanhando as primeiras oitivas de testemunhas junto à Delegacia local. A organização também elaborou denúncias a órgãos do Poder Público, para documentar o ocorrido, instrumentalizar o monitoramento e a tomada de providências cabíveis por parte das autoridades públicas e dar publicidade ao fato.
Existem várias ações que a Terra de Direitos acompanha:
* Acompanhamento do Inquérito policial sobre o assassinato do trabalhador Elias de Meura, que tramita há mais de 5 anos está sendo investigado e ainda não houve denúncia
* Ação de reintegração de posse, proposta pelo fazendeiro no dia seguinte à ocupação. Esta ação continua a tramitar na Justiça Federal, estando, entretanto, sobrestada para permitir que as famílias permaneçam no local.
* Acompanhamento das ações proposta pelo fazendeiro para declarar a produtividade da área.
*A Terra de Direitos e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra estão encaminhando o caso de Santa Filomena à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos – CIDH/OEA, devido à demora do judiciário brasileiro em julgar o caso.
* Foi também realizada uma campanha nacional pela desapropriação da área e manutenção das famílias na posse do imóvel até que o INCRA pudesse, oficialmente, implantar o assentamento.
Situação do(s) processo(s):
Disputa Judicial pela desapropriação:
O caso do Acampamento Elias de Meura – Fazenda Santa Filomena – é exemplo de como os latifundiários tem utilizado o Poder Judiciário para impedir ou retardar desapropriações, assim como é arquétipo dá forma com que o poder judiciário vem interferindo na política pública de acesso a terra.
Uma das estratégias mais usadas para impedir a desapropriação de imóveis que não cumprem sua função social é a judicialização da questão. Essa tática foi utilizada no caso, fazendo com que na área, declarada improdutiva em 1997, até o momento não tenha se tornado um assentamento da reforma agrária.
Quando a ação de desapropriação da Fazenda Santa Filomena foi ajuizada pelo INCRA deveria o juiz ter, em seu primeiro despacho, imitido o INCRA na posse do imóvel para viabilizar a imediata implementação do assentamento. Não foi o que ocorreu.
O proprietário da área ajuizou uma ação declaratória de produtividade. O fato de essa ação ter sido ajuizada fez com que a ação de desapropriação ficasse sobrestada até hoje, passados 13 anos da vistoria de cumprimento da função social.
A Lei Complementar nº 76/93 dispõe sobre o rito especial de tramitação das ações de desapropriação para fins de reforma agrária. A falta de aplicação desta norma possibilita a utilização do judiciário para obstaculizar as desapropriações de terras que não cumprem sua função social, ao mesmo tempo em que seu desrespeito tem influenciado negativamente na política pública de reforma agrária.
Diz a lei complementar que se a ação de desapropriação para fins de reforma agrária for ajuizada com todos os requisitos exigidos em lei é obrigação vinculada do juiz imitir o INCRA na posse e declarar que a ação de desapropriação tem preferencialidade ante a qualquer outra ação que verse sobre o imóvel. Na ação de desapropriação só pode o proprietário discutir o valor da desapropriação, sendo vedado o debate sobre o cumprimento ou não da função social.
Desrrespeitando o que diz a Lei Complementar nº 76/93 o que fez o juiz foi declarar a preferencialidade da ação declaratória de produtividade, sobrestando a ação de desapropriação, deixando assim de imitir o INCRA na posse do imóvel, pelo só fato de o proprietário vir ao judiciário tentar dizer que sua fazenda é produtiva.
Não há motivos jurídicos para que a citada lei complementar não fosse observada. A lei especial sobre o rito da ação, elaborada por expressa determinação da Constituição, tem vez dada a importância do tema da reforma agrária. Tentou o legislador dar maior celeridade à tramitação das ações e declarar sua maior importância frente às outras. Tratou também de garantir amplos direitos de defesa ao desapropriados.
Só que, considerando o grave problema social ligado à democratização do acesso à terra, o legislador viu por bem garantir o direito de defesa do expropriando pela via das perdas e danos. Se acaso esse saísse vitorioso em disputa contra a desapropriação, e o INCRA já tivesse implementado o Assentamento, caberia a este, além da indenização pela desapropriação, uma indenização a titulo de danos morais e materiais.
Todos esses procedimentos ainda têm em conta que administrativamente, no processo de desapropriação, foi dada oportunidade de defesa ao expropriando e que o poder público tem fé pública na sua atuação.
Além desses desrespeitos à legislação que trata da desapropriação, não poderia ter prosperado a ação declaratória de produtividade. Isso porque nosso sistema judicial só admite ações declaratórias para relações jurídicas entre pessoas ou entre pessoas e bens. No caso o fato de a área estar ou não cumprindo sua função social é uma situação de fato, não uma relação jurídica.
Ao proprietário apenas caberia questionar judicialmente os atos o poder público, no caso do INCRA. Se encontrado alguns vício no processo administrativo de desapropriação é que pode o proprietário vir a juízo. Adminitir as ações declaratórias de produtividade, desconsiderando o lapso temporal entre a vistoria do INCRA e a avaliação judicial sobre a produtividade, é dar possibilidade de inviabilizar a política pública de reforma agrária.
O judiciário tem aceitado reiteradas vezes os argumentos de quem se opõe à desapropriação. Esse posicionamento tem influído negativamente nas desapropriações, uma vez que os proprietário que tem meios econômicos para ir ao judiciário acabam por colocar muitos obstáculos à desapropriação.
Mas o judiciário mostra que não é um bloco monolítico. Também há possibilidades de ganhos por parte dos trabalhadores rurais. Isto está bem expresso no fato de o judiciário manter os trabalhadores na área em litígio. Muito embora o proprietário tenha ajuizado ação de reintegração de posse contra os trabalhadores que ocuparam a área o judiciário considerou que causará mais danos à famílias de trabalhadores o despejo da área do que ao proprietário estar privado da posse até o resultado final da desapropriação no judiciário.
O poder judiciário, pesando o direito de propriedade e os direitos ao trabalho, moradia alimentação, preferiu garantir a posse aos trabalhadores. Para essa decisão foi fundamental a realização de inspeção judicial. Nesse ato foi possível ao juiz verificar que os trabalhadores realmente utilizam a posse da área para garantir um mínimo necessário à sobrevivência, sendo o ato de ocupação uma forma democrática de pressão ante os órgão públicos.
Fonte: Terra de Direitos
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