Fórum Social das Américas: A Vida pede passagem
Por racismoambiental, 17/08/2010
Egon Dionísio Heck
Adital – Quando o cacique Ava Guarani, Ernesto, timidamente começou agitar se mbaraká, numa pequena tenda do Fórum Social das Américas, o coração do continente parece acompanhar o ritmo cadenciado da sabedoria e espiritualidade milenar. Ele invocou todas as forças pelo reconhecimento do direito dos povos originários. Mas invocou em especial as energias de Tupã e dos espíritos por todas as formas de vida acolhidas e alimentadas pela mãe terra e a natureza.
“Não devemos sentir vergonha de nossa cultura. Vamos erguer nossa voz bem alto em nossas danças, para ouvir e receber a sabedoria.” A voz e invocação Guarani de Ernesto se espalhou por todos os espaços, “carpas, bloques, aulas, planta baja, planta alta, polideportivo, cantinas…” à sombra das árvores, nas ruas e calçadas por onde fluem os milhares de participantes desse forum. Centenas da atividades autogestionadas e cogestionadas, que terminaram com expressivos painéis e apresentações culturais no final do dia e à noite. Rigoberta Menchú, indígena da Guatemala, premio Nobel da Paz, juntamente com as vozes de Bolívia, Equador e Paraguai, trouxeram importantes elementos sobre o “bem viver e os direitos da mãe terra”. As reflexões e debates são feitos na memória de milhares de heróis que neste continente construíram grandes civilizações e derramaram seu sangue pela vida em plenitude. A recuperação dessa sabedoria impulsiona, inspira e alimenta a esperança na construção desse novo projeto civilizatório.
A centralidade da vida
Uma das marcas desse Fórum é a centralidade da vida. Ela se agita, grita, apresenta em sua diversidade ameaçada, em sua espiritualidade reprimida, em sua pluralidade condenada… “Para o capitalismo o que importa é o capital, o lucro, para o socialismo é o ser humano e para nós o mais importante é a VIDA”, disse David Choquehuanca, chanceler, indígena boliviano, em sua fala sobre o bem viver e os direitos da mãe terra.
Rigoberta Menchú chamou atenção para as conseqüências desastrosas do modelo civilizatório colonial e capitalismo para os povos nativos e originários do continente, que está provocando uma deterioração da vida comunitária, destruição de milhares de formas de vida, provocando uma decadência social, material e espiritual. Diante desse quadro de destruição e morte convoca a todos os povos da resistência, movimentos sociais, lutadores e lutadores do continente para a construção de uma agenda comum que possibilite avançar na construção dessa alternativa civilizatória, com profundo respeito à diversidade e sem sectarismos. Irene Leon, falou da primavera política que vive Latinoamerica, destacando “a construção de relações harmoniosas e de interdependência entre o vivente: seres humanos entre si; seres humanos e natureza…destaca a centralidade da reprodução ampliada da vida”.
Por isso se insistiu na necessidade de mudar o processo de produção, não pensando na acumulação, mas produzir para a vida.
O grito dos afogados de Itaipu
Uma das mesas de debate foi sobre “os impactos de Itaipu sobre as comunidades Ava Guarani. Várias lideranças Guarani, cujos tekoha, terras tradicionais, foram tomadas pelas águas da hidrelétrica de Itaipu, trouxeram seu clamor diante da criminosa omissão e desrespeito da empresa Itaipu e do governo em garantir terra às 38 comunidades desalojadas com a formação do lago. Já se passam trinta anos e as famílias continuam sofrendo na diáspora forçada provocada pela Itaipu. As lideranças não apenas vem denunciar essa violação de seus direitos, mas pedem apoio de todos os povos do continente para sua decisão de retornar à região do rio Paraná.
Em depoimentos emocionados os expulsos pela Itaipu contam as três décadas de sofrimento, perambulando pela região, ou confinados a alguns nos mil hectares que Itaipu comprou para confinar, em terra seca, os Guarani que tinham como habitat as beiras do rio Paraná. Essa situação teve um enorme impacto sobre milhares de Guarani expulsos pela Itaipu: desde a destruição das relações sociais e familiares, até os inúmeros suicídios. Continuam na dispersão, mas tem um grande sonho e uma determinação – voltar a reagrupar as mais de 500 famílias Ava Guarani paranaenses e retornar à região donde foram expulsos.
Foi lembrado que do lado brasileiro a história não foi muito diferente. Depois de pressionados pelo avanço célere da agricultura mecanizada, do agronegócio, as comunidades Guarani foram sendo dispersadas e expulsas. De um lado e outro do rio Paraná eles foram brutalmente tangidas pelas frentes de expansão econômica e interesses energéticos. Depois de três décadas continuam clamando por justiça, que é fundamentalmente a garantia de terras onde possam continuar vivendo como povo Guarani.
Neste debate proposto pela CONAPI (Comissão Nacional de Pastoral Indígena) Irmã Mariblanca fez uma detalhada exposição sobre o marco legal dos direitos indígenas, desrespeitados pela Itaipu, e as graves conseqüências para o povo Ava Guarani.
No final do dia houve um dos mais concorridos encontros do Fórum, onde compareceu o presidente Lugo, que poucas horas antes havia retornado ao país, após tratamento de saúde realizado no Brasil. Em saudação emocionada, agradeceu a todos destacando a importância desse momento para o fortalecimento do processo de mudanças no Paraguai.
http://www.adital.org.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=50216
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