domingo, 28 de agosto de 2011

Índio pode se tornar primeiro herói potiguar reconhecido nacionalmente


Por Sérgio Vilar, da redação do DIARIODENATAL

O Rio Grande do Norte não possui nenhum herói nacional. Pelo menos com registro no Livro dos Heróis da Pátria, onde figuram Tiradentes, Zumbi dos Palmares, Santos Dumont, Chico Mendes e outros. E a frase de Cascudo volta à tona: "Natal não consagra, nem desconsagra ninguém". Foi preciso o senador pernambucano Marco Maciel inscrever um Projeto de Lei sugerindo a inclusão de seis nomes no concorrido livro. Entre eles está o de um potiguar: o índio Poty, mas conhecido como Felipe Camarão. Se aceito, será o primeiro índio reconhecidamente herói nacional.

Todos os seis nomes participaram de forma ativa da Insurreição Pernambucana contra o domínio holandês (1624-1654). Dentre eles, Felipe Camarão, o Governador dos índios brasileiros e estrategista da Batalha dos Guararapes, em 1648. Após essa batalha, os holandeses nunca mais impuseram resistência considerável e seis anos mais tarde oficializaram a rendição, sendo expulsos do Brasil. A bravura do índio - considerado um dos patriarcas do Exército brasileiro - rendeu honrarias em Natal: Felipe Camarão é hoje nome da sede da prefeitura, de bairro, de rua e da 7ª Brigada de Infantaria Motorizada.

Mas são homenagens pontuais em determinados momentos da história, pouco levadas adiante. No bairro periférico de Felipe Camarão, mesmo os moradores desconhecem a história do índio. "Desde 1998 se comemora no colégio Felipe Camarão a data de morte de Poty, mas ressaltam mais a história do bairro do que do índio", lamenta o pesquisador Aucides Sales. E partiu dele a ideia, há três anos, de levar essa comemoração às ruas. "O povo precisa conhecer a história de Poty. Não só o cidadão potiguar, mas o índio precisa sentir orgulho de si. E a figura de Felipe Camarão é emblemática", disse Aucides.

Na última quarta-feira, a solenidade em lembrança da data de morte do índio Poty ocorreu na Rua Felipe Camarão, na Cidade Alta. Um cortejo percorreu ruas do Centro para colher assinaturas solicitando a aprovação do projeto de lei de autoria do senador pernambucano, e seguiram até a Livraria Poty. Lá, foi realizada singela apresentação do grupo de dança Toré, formado por índios do Amarelão (de João Câmara) - uma das cinco comunidades indígenas do Rio Grande do Norte catalogadas na Funai, que enviou representante para acompanhar a apresentação e recebeu as assinaturas.

Também foram convidados e prometeram presença o vereador Franklin Capistrano (autor da lei que reconhece Felipe Camarão como herói municipal), o deputado estadual Hermano Morais (que elaborou o projeto de lei que tramita hoje na Assembleia Legislativa com o mesmo propósito, a nível estadual) e a deputada federal Fátima Bezerra, relatora da Comissão de Educação e Cultura do Congresso, responsável pela análise da solicitação do reconhecimento nacional. Apenas a deputada enviou representante. Nenhum dos edis esteve presente, para lamento da família Camarão.

16º Camarão

A descendência de Felipe Camarão já está na 16ª geração. A família é entusiasta do sobrenome. Mesmo as mulheres eliminam ou aglutinam o sobrenome do marido, sem deixar de lado a tradição da família Camarão. Eudenice, 71 anos, é também guerreira feito o patriarca da família. Mas sua luta é outra: a de tornar Felipe Camarão não só um herói nacional, mas reconhecido em seu chão. No Estado onde ele lutou e morreu, Pernambuco, há museu e o conhecimento do cidadão pela história do índio Poty. "Aqui temos monumentos aos mártires de Uruaçu e Cunhau. E de Felipe Camarão?", questiona.

Eudenice enxerga características natas da família, mesmo após tantas miscigenações e séculos passados. "Os Camarão são em maioria baixinhos, morenos, altivos, de rosto redondo e não levam desaforo pra casa. Até hoje a família conversa apontando o dedo na cara. São também conservadores, amantes da natureza, pessoas muito amigas e muito atreladas ao sobrenome: Camarão é sempre o sobrenome principal", se orgulha a senhora de cabelos loiros, mesmo que pintados. E conclui: "Felipe Camarão foi mais do que um índio: foi um herói e uma pessoa humana excepcional".

A filha deEudenice, a educadora Cristina Camarão, trabalha com crianças entre 7 e 9 anos. "Busco a pesquisa genealógica dos sobrenomes de cada um para que valorizem a família, a história e a cultura. Serve para que vejam que não só o meu sobrenome tem valor histórico, mas também os Silva ou qualquer outro. Resgatar as raízes históricas também é vida. Esse é meu norte pedagógico; tenho sede pela história", conta. Mãe e filha esperam o reconhecimento nacional como facilitador da difusão da história do índio Poty. Aucides Sales também enxerga por essa premissa: "Alguns ganham feriado, mas queremos mesmo o valor histórico do fato".

http://www.dnonline.com.br/app/outros/ultimas-noticias/38,37,38,74/2011/08/28/interna_divirtase,79053/indio-pode-se-tornar-primeiro-heroi-potiguar-reconhecido-nacionalmente.shtml